[Paulicéia 076] Aline Torres: "Se a cidade continuar com esses dados positivos, a gente vai ter muita coisa para celebrar"
A atual Secretária Municipal de Cultura fala sobre a importância periférica da sua gestão e sobre os próximos eventos do calendário cultural de São Paulo.
Quem é Aline Torres? A pergunta circulou bastante em meados do semestre passado, quando o Prefeito Ricardo Nunes anunciou a nova Secretária Municipal de Cultura de São Paulo. A resposta mais sucinta vem da própria secretária: Aline é uma mulher paulistana, periférica, que trabalha na gestão pública desde 2009 e é formada em relações públicas. Outra forma de responder tem sido a sua atuacão à frente do orgão, com anúncios de editais culturais com foco nas periferias e uma atualização da programação dos espaços da cidade, cuja carta maior até aqui é a “Contramemórias", exposicão de arte dentro do Theatro Municipal que faz parte das comemorações do centenário do modernismo.
Na conversa abaixo, Aline conta sobre a sua chegada ao gabinete no Sampaio Moreira e os planos para a Virada Cultural, a primeira desde 2019, que acontece em São Paulo nesse final de semana – e que será tema do Guia Paulicéia dessa sexta-feira.
"Eu trabalho na administração pública desde 2009. Fui estagiária na Secretaria de Juventude, Esporte e Lazer, quando o Lars Grael era secretário. Me formei enquanto trabalhava na administração, foi uma formação teórica e prática ao mesmo tempo. Depois, trabalhei na subprefeitura da Sé, na Secretaria de Estado da Cultura, fui coordenadora do PROAC-CMS, trabalhei na Fundação Padre Anchieta, na TV Cultura. Tenho uma estrada de alguns anos na administração pública e gestão cultural. E em agosto do ano passado, recebi o convite do prefeito Ricardo Nunes para vir aqui para a Secretaria de Cultura, essa missão, essa loucura que é essa secretaria. Porque pensar a cultura para uma cidade tão complexa, feita de doze milhões de pessoas tão diferentes, é realmente um desafio.
"O convite foi uma surpresa. Me senti muito privilegiada pela escolha, tem um reconhecimento de trabalho, de toda essa trajetória que eu já tenho, dos lugares que passei. Me senti muito privilegiada e ao mesmo tempo com muita vontade de construir, é uma realização de sonho. Estudei relações públicas, fiz pós em gestão cultural quando trabalhava na Secretaria de Estado da Cultura, essa construção é algo que eu estou fazendo há muito tempo, e estar num lugar que dá liberdade, obviamente com as restrições burocráticas, orçamentárias e jurídicas limitantes, é poder realizar sonhos.
"Eu sou de periferia, então aqui o meu olhar é focado na cultura periférica, é poder fazer a cultura de São Paulo ter um outro olhar, outra cara, fazer com que as pessoas da Cultura se sintam representadas de maneira verdadeira. A gente tem uma cultura muito burguesa na administração há muito tempo, e a gente passa em um momento tão difícil no âmbito Federal, com várias restrições da cultura, levando para lugares negativos. Poder levar a cultura com a minha cara, para 12 milhões de habitantes, é a realização de um sonho.
Qual foi o cenário que encontrou ao chegar?
"A Secretaria da Cultura, ela tem uma coisa assim: tem servidores aqui que trabalham há quase três décadas. E a galera trabalha muito por amor, porque a administração pública trabalha muito no servir ao público, é o que a gente faz. Encontrei aqui um número de servidores meio abandonados, precisando de carinho. Até porque as pessoas estavam voltando a trabalhar no formato híbrido, a gente tava fazendo escala para não vir todo mundo ao mesmo tempo no mesmo dia, com horários diferenciados, porque quando a gente voltou ainda tava no momento pandêmico, com a cidade um pouco fechada. A primeira coisa que eu fiz aqui foi ir pro 12º andar, que é o último andar da Secretaria aqui do Edifício Sampaio Moreira, conversando e conhecendo todas as pessoas que trabalham na secretaria. Desde o bombeiro que faz a ronda, até as servidoras da copa. Entender, conhecer as pessoas com quem eu ia trabalhar, quem fazia contrato, quem assinava empenho, quem arquivava documento. Fui conhecer essas pessoas, fazer um pouquinho de troca, né? E receber um pouco de um afeto que eu também estava precisando, chegando num lugar novo. Foi muito bonito de diversas formas.
"Porque não tinha essa cultura aqui na Secretaria, um gabinete aberto. Os servidores não tinham isso. Havia servidores que nunca tinham entrado no gabinete do Secretário. Aqui minha sala fica aberta, falo com todo mundo, todo mundo vem aqui. Faço gestão com as pessoas, então preciso que as pessoas estejam conectadas comigo. Recebi diversos elogios e vi pessoas chorando emocionadas porque tiveram contato direto com o secretário, coisa que nunca tinham tido em 30 anos aqui trabalhando na Secretaria.
"O maior benefício disso é tirar o distanciamento, porque as pessoas têm medo. O gabinete do Prefeito, o Gabinete do Secretário têm uma pompa. E eu quero entender, não consigo instruir que o servidor faça um processo de um jeito se ambos não tiverem confiança um no outro. Eu trouxe todas as áreas aqui para o meu gabinete e fui conhecer os equipamentos de fora. Aqui a gente tem uma área, que tipo é o RH da Prefeitura, com várias servidoras, grande parte são mulheres mais velhas, de 60 anos ou mais. E só essa quebra de trazê-las aqui e falar "Dona Clara, me conta o que que a senhora faz hoje? Me ensina o seu trabalho?" já tira o distanciamento.
Eu consigo entender como essa máquina funciona nos mínimos detalhes, porque eu sei quem faz cada coisa. Todos os processos são feitos por pessoas.
Desafios da gestão
"Acho que o principal desafio que a gente tem é o número de servidores se aposentando em escala, estamos perdendo muitos servidores. Temos uma pessoa no arquivo histórico municipal, por exemplo, que vai se aposentar esse ano. Ela é a pessoa que cuida dos livros dos óbitos. Ali você tem a história das pessoas. E ela não ensinou isso para ninguém, e vai se aposentar. Aí a gente tem dar visibilidade para esse tipo de formação, porque são poucas faculdades que aderem a alguns cursos específicos.
Quando você fala de arquivo histórico, tombamento, patrimônio, arquivos, tem algumas especificidades de formação de trabalho na cultura que são poucas faculdades que fazem, precisamos trazer a galera jovem, recém-formada.
E os concursos públicos da Prefeitura não têm o salário da administração privada, a gente sofre uma concorrência para trazer essa galera boa de mercado para aprender esse serviço com quem tá aqui há quatro décadas.
Descentralização da cultura
"Estamos fazendo uma gestão que eu tô chamando muito de descentralização da Cultura. Basicamente é fortalecer os palcos periféricos com artistas renomados, e trazer os artistas periféricos para esses palcos mais centrais, que são os palcos em que se costuma receber os artistas consagrados pela grande mídia. E esse movimento envolve várias coisas. Criamos, logo que eu cheguei na secretaria, o edital da retomada econômica cultural. Com a pandemia sendo flexibilizada ao longo do tempo, as casas de show voltaram a fazer seus eventos, e elas contratam artistas grandes e renomados pelo grande público, mas o artista da periferia não — ele continua passando fome, porque não fez live com uma empresa bancando, mal e mal fez live sozinho para não enlouquecer dentro de casa, que dirá recebendo recursos. Esse edital robusto, no valor de cem mil reais para cada premiação, foi focado nesses artistas periféricos.
Agora nós estamos na programação do 22+100, do Centenário do Modernismo, e colocamos no Theatro Municipal a programação do balé contemporâneo com uma linguagem de funk periférico, extremamente revigorante, com música de Mário de Andrade, ou seja tudo se conectando com exposição da "Contramemória". E aí foi sensacional. Você vê artistas que nunca tinham entrado no principal teatro da cidade com uma obra deles sendo apresentada lá, isso é fazer essa descentralização de verdade.
Virada Cultural
É a primeira Virada Cultural após a pandemia. A gente também tá medindo um pouquinho essa nossa reabertura dos espaços, do quanto as pessoas estão se sentindo confortáveis para realmente ir a show, ir para aglomerações. Os palcos da Virada Cultural são aglomerações, mesmo que seja aberto, mesmo que seja na rua, é gente para caramba. Estamos medindo um pouquinho de tudo. Teremos uma programação com vários artistas bacanas, com vários artistas periféricos no mesmo palco. Essa descentralização vai estar na cara da Virada Cultural. Vamos mostrar oito outros centros da cidade, será a cidade espalhada pela cidade.
Vem aí
A ideia, por conta de uma demanda popular, a pedido de entidades que trabalham no Carnaval, é fazer esse Esquenta Carnaval, que vai acontecer em 16 e 17 de julho. O que é esse Esquenta Carnaval? É conseguir de alguma maneira fazer com que blocos médios e pequenos tenham estrutura da Prefeitura para colocar o bloco na rua, para que eles comecem a se organizar. E em 23 a gente consegue fazer o carnaval só em fevereiro mesmo. Por isso nem estamos chamando de Carnaval. É um Esquenta. Não serão 600 blocos na rua. Tanto que a gente abriu aqui no site da secretaria o cadastro de interesse para começar a fazer a produção e a organização disso junto com todos os órgãos necessários.
Já o 22 + 100, a ideia era começar no aniversário de São Paulo e ir até o dia 1º de Maio, com cem dias de programação. Mas cancelamos o aniversário de São Paulo, por conta do momento que a cidade estava na pandemia, e aí cancelou o show do 1º de Maio também, por conta de diversos eventos gigantes que aconteceriam, pra não entrar nessa seara de concorrência de shows. Então vamos estender um pouquinho, até o final de junho. A nossa Virada Cultural, que vai ser no último final de semana de maio, vai ter um de mise-en-scène de modernismo também. Na verdade, vamos celebrar o modernismo até dezembro, acho — Mário de Andrade nunca foi tão falado nesta Secretaria!
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