[Paulicéia 019] Grazi Flores: "A pandemia trouxe coletivos e projetos que não existiriam sem esse momento caótico"
Para DJ e criadora do festival Lacuna Tropical, as festas presenciais voltarão transformadas pela experiência virtual da pandemia
Grazi Flores é uma DJ paulistana de techno, house music e ritmos brasileiros, que trabalha na Patuá Discos, em São Paulo. Integrante da rádio DubLab no Brasil, ela comanda, a partir de sua casa em Barueri, na Grande São Paulo, programas de discotecagens e entrevistas via Twitch, e é criadora do programa Lacuna Tropical — também um festival, que em julho passado teve 200 artistas de vários gêneros de música eletrônica se apresentando de forma gratuita e virtual.
Gaía - Quando você começou a discotecar?
Grazi Flores - Considero que comecei minha carreira como DJ em julho de 2017, quando lancei o Lacuna Tropical. Essa é a data que coloquei como norte, para poder me guiar no tempo.
Você me contou que o Lacuna Tropical é um "laboratório de experiências e discotecagem", mas o que é isso na prática?
O Lacuna Tropical se desdobra em diversos produtos. Tem o programa de rádio, que se divide em dois: uma coluna semanal chamada "Lacuna Tropical Convida", com DJs convidados de diversos gêneros musicais, e outra edição, também semanal, com sets meus. E tem as entrevistas do O Som da Pandemia, que são focadas na questão da discotecagem e do que está acontecendo na cena desde o início do ano passado. E o festival mesmo, o Vibe Lacuna, já teve três edições. A primeira festa virtual que eu fiz foi a Industry, que ia acontecer presencialmente bem no momento que entramos em quarentena. Para não ficar com aquela sensação "putz, fechou o mercado, acabaram as festas, tudo morreu", eu levei a festa para a Dub Lab Brasil, uma webrádio global com filial no Brasil, onde atualmente eu integro a equipe. Acabei gostando, me emocionei e decidi fazer alguma coisa por conta própria pelo Lacuna. Fiz a primeira edição do festival em agosto, com 26 DJs. A segunda edição aconteceu em outubro, com quase 100 DJs e artistas, foi uma loucura. E aí fiz essa terceira edição, que aconteceu entre 14 a 21 de julho passado, com mais de 200 DJs e artistas.
Como é o trabalho de bastidores do Lacuna Tropical?
Acabo conhecendo muitos DJs e acompanhando o que está acontecendo na cena, vou entrando em contato o que que me chama atenção e vendo quais são as possibilidades, como está o projeto dos coletivos, que são de vários cantos do Brasil. Cheguei a entrar em contato com muitos coletivos, festas e labels que não participaram do festival. Alguns estavam estacionados, esperando o que iria acontecer antes de colocar em prática algum projeto, outros estavam passando por mudanças internas de organização. Os que participaram de edições do festival estavam nesse movimento virtual, acontecendo com alguma frequência. O que eu faço é convidar os coletivos e dar o espaço para eles trazerem os DJs e artistas que acham interessantes. Podem ser DJs residentes dos projetos, pode ser alguém de fora que eles curtem o trampo. Além disso, tem a minha curadoria, da pista do Lacuna Tropical, juntando pessoas que já participaram do Lacuna Tropical Convida e outras pessoas que vou conhecendo de outras cenas, ao redor do Twitch e outras plataformas, como Soundcloud ou Mixcloud. É uma miscelânea de conteúdos. Não falta gente.
Qual característica da pandemia fez com que as pessoas participassem mais da cena?
Acho que trouxe a possibilidade de aproximação das pessoas mesmo. De repente você é novato na cena, você não tem aquela cara de pau de chegar e falar: pô, curto muito seu trampo, como eu faço para participar desse rolê. Mas, estando todo mundo dentro da plataforma virtual, é uma nova fase. As pessoas que eram veteranas na cena brasileira da discotecagem acabaram sendo novatas nas plataformas. Então a gente meio que foi nivelando sem querer esse acesso e essas possibilidades de projetos próprios.
O Twitch se tornou a principal plataforma?
Com certeza! Rolaram várias tentativas com outras plataformas, rolaram algumas festas pelo Zoom, festas fechadas, outras versões de eventos dentro do YouTube, do Facebook. Mas essas plataformas têm diversas barreiras para quem discoteca, às vezes por questões de direitos autorais, derrubando ou silenciando a live. Outra questão é que o Twitch tem uma função genial, que chama raid, que é pegar o público que está assistindo uma live e mandar para outra transmissão. Isso permite seguir com a programação, ou explorar outros lugares do mundo. Mas cada plataforma tem um público específico. O Twitch é muito peculiar, ali existe uma rotação das pessoas, das figuras que você vai encontrar na pistinha do chat. Temos moderadores e pessoas que organizam, estão presentes em todas as festas, às vezes não eram da área. Tem um público que muitas vezes nem frequentava as festas presenciais. Então você vê um movimento de pessoas falando que estão vendo, que estão curtindo, que estão colando em eventos maiores, mas ainda assim é uma coisa muito difusa. Eu sinto que o público inteiro, no virtual e no presencial, ficou completamente diferente.
Os próprios DJs acabaram formando uma comunidade. Se alguém está com um problema, uma dúvida, e alguém da sua comunidade sabe a resposta, rola uma troca, rola uma ajuda, um tutorial. Nós certamente vamos levar isso para o presencial.
Existem aprendizados positivos nessa história?
Sim, existe uma união. Por exemplo: o público está no Twitch, já entendeu e está acostumado com as dificuldades da tecnologia. Então de repente caiu a live, o que acontece? A galera vai embora, vai procurar outra live e é isso. E começou um movimento dentro das lives de quando cair, todo mundo já escreve no chat: segura! fica com a gente! já tá voltando! E a galera realmente fica ali, a galera realmente volta. Além disso, os próprios DJs acabaram formando uma comunidade. Se alguém está com algum problema, alguma dúvida, e tem alguém da sua comunidade que sabe a resposta, rola uma troca, rola uma ajuda, um tutorial, qualquer coisa. Inclusive em outras questões, por exemplo, tem um DJ que está para ter um filho agora, em plena pandemia e está sem grana, então vamos fazer um chá de bebê dentro do Twitch, arrecadar dinheiro, bora fazer alguma coisa para poder ajudar. Isso eu acredito que vamos levar para o mundo real.
Você participou de eventos com essa intenção de ajudar artistas ou coletivos?
Teve muita coisa. Logo de cara teve a ação do Boteco Prato do Dia, que fica na Barra Funda. Eles já fizeram várias coisas nesse sentido, começaram vendendo as cervejas que estavam paradas na casa, depois rolou a campanha Os Discos Têm que Girar. Sei que agora eles estão com uma programação frequente dentro do Twitch, fazendo o processo de transição daquilo que rolava presencialmente na casa. Também teve o InEdit, o festival de documentários musicais, que participou do Vibe Lacuna, selecionando cinco filmes para a galera assistir gratuitamente, com a possibilidade de fazer doações para as iniciativas do Padre Júlio Lancelotti.
O mesmo esquema que a gente teve de transição para o mundo virtual, a gente vai ter ao voltar para o mundo presencial.
Qual é a principal diferença entre a questão da pandemia agora, e como você estava há um ano?
Em julho do ano passado eu estava achando que as coisas iam realmente voltar ao normal, como se a gente voltasse a dar o play ali e nada tivesse mudado. Hoje em dia, poxa, é claro que muita coisa mudou. Várias casas fecharam, outras tiveram que se reestruturar, mudar de locação. O mesmo esquema que a gente teve de transição para o mundo virtual, a gente vai ter ao voltar para o mundo presencial.
E a questão das festas clandestinas?
Eu estou quarentenada. Saio só para o essencial, usando máscara, com todos aqueles cuidados. Não participei de forma alguma de eventos presenciais, nem na divulgação, inclusive acho uma coisa absurda essas festas clandestinas terem acontecido. Tenho certeza que quem está na cena do Twitch não participou de nenhuma festa clandestina. Muito pelo contrário: todo mundo que tá no Twitch fazendo as lives, os eventos virtuais, sempre comenta durante as lives: gente, máscara, por favor, vamos nos vacinar. Tem todo um movimento com comandos dentro do chat, com emojis incentivando as vacinas, os cuidados. Então acredito que essa galera tá muito bem informada e consciente dos riscos de fazer um negócio clandestino. Mas ao mesmo tempo, entendo que as pessoas que partiram para essa solução presencial talvez não tenham encontrado outra alternativa para se manterem ao longo da pandemia. É muita gente sem grana, sem trabalho, precisando de alguma alternativa, de uma luz no fim do túnel, que às vezes encontrou nas festas clandestinas uma possibilidade. É complicado.
Sinto um retorno gradual, com uma união criada dentro do momento pandêmico de festas virtuais.
Qual é sua perspectiva para as festas quando elas puderem acontecer presencialmente?
Olha, eu já ouvi de tudo e já cheguei a concordar com muitas coisas diferentes. Que muitas festas novas vão surgir e poucas das antigas vão continuar acontecendo. Também já ouvi que seria um Carnaval eterno, tipo que acabou a pandemia e é Carnaval para sempre. O que sinto que vai acontecer é um retorno gradual, junto com essa união que acabamos criando dentro do momento pandêmico de festas virtuais. Fazermos festas menores em locações que não sejam de fato clubes ou bares, voltar a ocupar mais as ruas. E, ouso dizer, ocupar prédios abandonados, dar novos significados para lugares abandonados. Acredito nessa mistura de festas menores em diversos cantos da cidade, menos centralizadas. Outra coisa que eu acredito é que, por conta da pandemia, muita gente que morava em São Paulo se deslocou para outras regiões do Brasil, às vezes regiões periféricas das metrópoles. Então de repente essas pessoas vão se juntar e criar novas cenas de discotecagem.
Onde encontrar a Grazi Flores
Lacuna Tropical: programa de rádio via http://dublab.com.br
Terças e sextas, 23
Sessão Em Casa: lives com coletivos via Twitch
Quinzenalmente às quartas, 20h
Uh! Manas TV: lives com mulheres DJs via Twitch
Mensalmente às quintas-feiras dentro do Lacuna Tropical
Links
http://instagram.com/djgraziflores
http://facebook.com/djgraziflores
http://twitch.tv/djgraziflores
http://soundcloud.com/djgraziflores
http://lacunatropical.blogspot.com
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http://facebook.com/lacunatropical
http://mixcloud.com/lacunatropical
Fervo Conference
Começa amanhã a Fervo Conference, evento online e gratuito para discutir o retorno da noite paulistana depois da pandemia.
Entre os dias 31/08 e 04/09/2021 a Fervo Conference vai promover conversas, workshops e palestras para discutir as possibilidades da reabertura dos eventos musicais em São Paulo, sempre a partir da plataforma em fervo.org.
"Com o avanço da vacinação contra a COVID-19 na cidade, é uma questão de tempo para que possamos frequentar baladas, festas e shows outra vez. A conferência tem dois eixos principais: o retorno seguro às atividades musicais com público e o fortalecimento de um setor que foi duramente afetado pela pandemia," diz o release do grupo composto por profissionais ligados ao rolê e à música, que conta com apoio e participação de DJs, artistas, promoters, organizadores, profissionais da saúde e representantes do poder público.
Alguns destaques da programação são a "Fervo TV", com o Novíssimo Edgar entrevistando Jup do Bairro, Bia Ferreira, Kiko Dinucci e Hayge Mercurio; o workshop “Divulgação e presença online” com o estrategista de redes sociais Alex Correa dando sugestões diretas e práticas para o retorno às atividades com uma presença digital sadia; a conversa “Como reduzir os riscos de propagação da Covid-19 no espaço cultural”, com o biomédico Lucas Zanandrez, do canal “Olá, Ciência!”; e os shows online de Nelson D com Brisa Flow, Marsha com Bixarte MC, Badsista, Malka e celebração dos vinte anos do Dubversao.
Na quarta-feira
Os melhores episódios do Som da Pandemia, programa online da Grazi Flores onde DJs, produtores e pessoas do rolê das festas paulistanas falam sobre suas experiências pessoais durante a crise da Covid-19. Mais destaques da programação da Fervo Conference. Festas que acontecem online durante o mês de setembro.