[Paulicéia 049] Gladys Tchoport e Claudia Kievel: "Um encontro faz muita diferença"
As criadoras da Rede Jardim Secreto, contam a história do projeto e como foi tentar criar uma feira digital durante a pandemia
TL;DR 👉
Gladys Maria Tchoport, formada em design de moda, e Claudia Kievel, formada em design gráfico, estão desde 2013 à frente da Rede Jardim Secreto.
Ao longo desses oito anos, com dezenas de edições, a Jardim Secreto passou por diferentes espaços em todas as regiões da cidade e se tornou uma grande reunião de projetos e produções de consumo consciente. O mote de Gladys e Cláudia é "o consumo será local, consciente e atemporal".
Em 2017 a feira ganhou um espaço físico, primeiro no Bixiga e depois na Santa Cecília.
Em 2021 a Jardim Secreto teve duas feiras presenciais: em outubro no Bixiga e em dezembro na fábrica da Cervejaria Tarantino, na Zona Norte.
A história da Rede Jardim Secreto é uma das histórias de pequenas empreendedoras de São Paulo que vinha em franco crescimento até o começo de 2020 e precisaram se adaptar (mais de uma vez) para chegar ao final de 2021. E a expectativa de produtores e expositores pela atuação da JS mostra o tamanho que tomou o negócio, tocado por Gladys e Cláudia desde 2013. Além da feira, retomada em outubro passado e vinda de uma bem-sucedida edição de Natal nesse último final de semana, a Jardim Secreto também tem a Casa, que funciona como loja fixa e ateliê, atualmente em Santa Cecília.
O começo
As primeiras edições da Feira Jardim Secreto, com esse nome, foram resultado do encontro de Gladys e Claudia no circuito de festas e bazares que rolava em São Paulo com muita força em 2013. "Eu sempre costurei e sempre fui de brechó, tinha muita coisa que eu produzia e queria vender, então comecei um bazar independente em 2011," conta Gladys.
Na mesma época, Cláudia tinha uma festa chamada "Uuh Baby!", com bazar de pequenas produtoras, que acontecia de noite em casas noturnas. "Era uma coisa mais para se divertir, mas depois de uns dois anos eu já estava cansada, queria algo diurno, sentia essa energia da noite em São Paulo sempre muito densa, e acho que acabamos achando, eu e a Gla, um lugar comum: as duas sentiam falta de um lugar pra ir de dia, ao ar livre, sem pagar pra entrar, sem gastar muito, um respiro." Em 2013, São Paulo já vivia um momento de ocupação de espaço público, com pequenos grupos fazendo festas de rua, projeções de filmes em praças e bazares de produtores independentes em estúdios ou casas com áreas abertas.
As primeiras edições do Jardim Secreto juntaram a vontade de viver a cidade de dia com a de encontrar locais ainda não aproveitados. Gladys conta que sempre gostou de "descobrir novos lugares em São Paulo, que a gente via tantos por aí, ia passear sozinha e o lugar estava lá, só existindo sem ser aproveitado”.
Além do timing auspicioso, a dupla acertou ao apostar cedo no feito à mão, no produto artesanal em pequena escala, que ganharia um boom a partir de 2014. Para Cláudia, essa foi uma decisão natural, que veio de casa: "Nós temos essa admiração com o feito à mão desde crianças, de aprender a bordar, costurar em casa com as mães, avós, e tal. Então um dos primeiros critérios de curadoria foi esse: só vão participar marcas de produtos manuais”.
"A gente tinha um formato de feira bem pequeno, algo como quinze marcas e público de 300 pessoas," lembra Gladys, "aí em 2014 veio esse boom do feito à mão e isso virou nosso foco." Em 2015, quando a dupla agarrou a oportunidade de levar a Jardim Secreto para o pátio do Museu da Imagem e do Som, a feira já selecionava produtores de vários estados do Brasil e de outros países da América Latina. "Nessa época, a gente deu um salto muito grande, fomos para 45 marcas e um público de três mil pessoas por dia."
As feiras no MIS
Era o auge das superexposições do MIS, e quem passou por ali nessa época deve lembrar do espaço sempre concorrido, com grandes filas. Cláudia destaca que esse crescimento rápido e forçado, ainda que bem-vindo, as fez prestar atenção em outros detalhes. "Foi aí que a gente começou a focar em critérios de consumo consciente. No começo era um guia, um termo fácil para comunicar as questões ligadas a sustentabilidade." E a questão da diversidade também se fez presente. "Naquele momento a gente focava muito em convidar mulheres que produziam para poder mostrar mais trabalhos de mulheres. Muitas mães empreendedoras, mães solo."
Essa necessidade de maior atenção com os produtores escolhidos levou à questão das mudanças na curadoria, que Gladys explica: "Nós começamos a investigar a cadeia de produção e começamos a implementar uma convocatória, fazendo a pré-seleção das marcas por Instagram, marcando reuniões. Fizemos isso até o começo da pandemia, né? Esse encontro sempre faz muita diferença: ver o produto, conhecer a pessoa, conhecer a história, entender quais são os materiais, de onde esses materiais vêm?" Hoje, dentro da curadoria feita para a Casa Jardim Secreto e para a retomada das Feiras, tudo isso é um norte que a dupla persegue. "Esse encontro é o momento de fazer uma investigação para ter certeza de que o que a gente está colocando aqui ou na feira faz jus ao discurso: o produto é terceirizado em uma fábrica, como é essa fábrica? Por que esse valor? Se uma pessoa é terceirizada, como ela é remunerada?"
Cláudia explica que o posicionamento de tudo que entra na curadoria é importante. "Não pode nada que seja produzido com qualquer tipo de crueldade, seja humana ou animal. É um trabalho tenso conseguir se certificar disso, porque quando a gente falava de história, as pessoas achavam que a história é a história da inspiração, da criação. E é isso, mas também é a história de como você produz."
Ida para o Bixiga
Em 2016 chegou a hora de sair do MIS. "Não comportava mais, ficava muito cheio", conta Gladys. Cláudia lembra que as pessoas ficavam chateadas e incomodadas com o sol, a lotação, as filas. "Quem entra no Jardim quer ficar lá, a maioria vai pra passar o dia, encontrar os amigos. E isso também é consumo consciente, você não sai comprando tudo de uma vez, você precisa pensar se quer, se precisa comprar", explica.
Para Gladys, "é o oposto de shopping center". Mas a saída também foi motivada por uma vontade de ter mais marcas. E foi nessa saída do MIS que a Feira Jardim Secreto encontrou o que seria o "seu" lugar até o final de 2019: a Praça Dom Orione, no Bixiga, onde cada edição comportava 120 expositores.
"Foi um convite do festival Garageira," conta Cláudia, "um festival de música que também tinha essa proposta de ocupar a rua, levar as pessoas de volta para os espaços públicos, nisso a gente tinha muita sinergia.” Com o passar dos meses, o festival saiu da praça e se tornou itinerante, e a Feira ficou e se tornou bimestral.
Esse momento durou até dezembro de 2019, com passagens por outros espaços. "A gente chegou a fazer em outros lugares, como o Centro Cultural Vergueiro." Para Gladys, "a melhor edição da história, em agosto de 2019, foi a da Cinemateca". O lindo espaço na Vila Mariana recebeu o que teria sido o futuro da Jardim Secreto, não fosse a pandemia. Para Claudia, foi um Festival Jardim Secreto: "A gente foi muito bem recebida pela equipe da Cinemateca, teve uma estrutura pra fazer show, foi um festival mesmo, com banda, oficinas, atividades, palestras, um fim de semana inteiro. Ficamos muito realizadas”. A Feira Jardim Secreto na Cinemateca atraiu vinte mil pessoas ao longo do final de semana – um formato que a Praça Dom Orione, que é ponto fixo da tradicional Feira de Antiguidades do Bixiga aos domingos, não comportava.
Quando a OMS decretou pandemia, em março de 2020, a Jardim Secreto tinha planos de repetir o formato com uma edição no Parque Sabesp, na Mooca. "A gente estava organizando uma edição em abril de 2020”, lembra Gladys, "ia ser em abril, aí passou para maio porque a gente achou que a pandemia ia passar rápido." A última edição pré-pandemia da Jardim Secreto foi em Porto Alegre, no final de janeiro. O plano já era parar por um tempo. "A gente tinha um cronograma de meses. Íamos fazer uma viagem para a Índia que ia demorar um bom tempo, aí na volta da viagem ia rolar a feira. A viagem era para conhecer um projeto social que faz parte da Casa, chama Project3, uma ONG que empodera e ajuda mulheres em situações de vulnerabilidade."
A tentativa do online
"Do dia pra noite tivemos que nos tornar digitais”, diz Claudia, que como todo mundo em algum momento de 2020, teve que tentar uma aventura no digital. Mas a iniciativa foi menos feliz do que as experiências do mundo real. Gladys explica que fizeram dois formatos, juntando conteúdo e venda: "Fizemos lives, cursos, oficinas pelo YouTube e Instagram, tudo com uma logística bem louca, mas que funcionou. E também lançamos um e-commerce, mas nunca tínhamos feito uma venda online na vida. O que a gente gostaria de ter feito é um marketplace mesmo."
Em uma experiência comum a vários entrevistados desse ano aqui no Paulicéia, a migração para o online também foi interrompida assim que possível. A versão virtual da Feira Jardim Secreto durou três edições, conta Cláudia. "Paramos porque dava muito trabalho. Exigimos muito de nós mesmas ao querer levar a experiência da feira pro online sem ter tempo para pensar sobre isso. O digital precisa de um outro planejamento."
Segundo Cláudia, a ideia de um sistema de vendas mais completo, com maior controle por parte dos produtores, ficou como plano para um futuro próximo: "Um marketplace é o que mais vai se aproximar da nossa proposta, porque no marketplace o produtor cuida do seu estoque. No e-commerce, que é o que temos hoje, a gente faz tudo. O produtor envia o produto com informações, a gente cadastra, fala com o cliente, faz a entrega, se responsabiliza por qualquer problema que tiver na entrega."
Além do perrengue extra de administrar estoque e cuidar de envios, foi difícil lidar com as expectativas dos parceiros da feira, segundo Cláudia. "A gente imaginou algumas coisas e os expositores imaginaram outras. Como o nome do projeto tem força, tem uma rede muito grande, as pessoas também acham que a Jardim Secreto é uma empresa grande. Mas eu e a Gladys somos donas de um pequeno negócio de economia local. Acho que às vezes o nome passa a mensagem errada, de que é um projeto estruturado e enorme, quando na verdade ainda mantemos uma estrutura mais próxima da estrutura dos produtores."
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A criação da Casa Jardim Secreto, que em março de 2020 saiu do Bixiga e foi para um galpão na Santa Cecília – e hoje ocupa um sobrado na Rua Fortunato –, é assunto do Paulicéia de quarta-feira, somente para apoiadores.