[Paulicéia 077] Magic Minas: "O mais legal do grupo é a resistência"
Conheça o grupo que se reúne nas noites de segunda para jogar basquete em uma praça da Santa Cecília
Alô, Paulicéiers 👉 Entramos em junho, o que significa que estamos muito perto do final do Substack Local, o programa da startup norte-americana que deu origem ao Paulicéia e que, ao longo do último ano, tornou possível a minha dedicação a esse projeto.
Foram dezenas de entrevistas, uma por semana, parando apenas no recesso de Natal e Ano Novo. Falamos com sommeliers em Pinheiros e com empresário no Campo Limpo. Falamos sobre gestão cultural, cinema, artes plásticas, arquitetura, livrarias e festas. Mas falamos com uma parte pequena de uma lista enorme de pessoas com quem queríamos falar — o que deixa aí um gancho para uma temporada futura do Paulicéia, ainda sem data e previsão.
Por enquanto, o Paulicéia encerra essa primeira temporada junto com o apoio do Substack Local. Você que é apoiador vai receber um email especial, ainda hoje, para falar sobre a sua assinatura.
O papo de hoje é com a Camila Guerreiro, professora de educação física da rede pública de São Bernardo e praticante de basquete. Camila, 44 anos, é parte do Magic Minas, um grupo de mulheres que toda semana se reúne para jogar basquete na Praça Rotary, na Santa Cecília, Centro de São Paulo.
Basquete
Eu me apaixonei pelo basquete vendo a Paula jogar. Tinha seis para sete anos quando pedi pro meu pai uma tabelinha de basquete e uma bola. Antes eu já ficava brincando de ser jogadora de futebol, mas o basquete foi encantador, um lugar diferente da minha vida. Só houve uma interrupção: com 17 anos, alguém falou para mim: você não é boa o suficiente, você não vai jogar basquete como imaginou que fosse jogar. E eu acreditei. Mas o basquete me trouxe a profissão, foi através do esporte que eu me encantei pela Educação Física. Só voltei a jogar com a descoberta do coletivo. Quando entrei de novo na quadra pela primeira vez, tinha 39 anos e fiquei me sentindo com 13! Descobri que sou uma jogadora porque jogo.
Magic Minas
O coletivo surgiu no encontro de mulheres no Sesc, há alguns anos. Foi um evento com a Janete, que atraiu público e algumas combinaram de começar a jogar juntas. É muito difícil ver mulheres marcando de jogar, naquele momento não foram mais do que 10 que conseguiram se reunir para fazer esse movimento acontecer. Acho que na vida de qualquer mulher você vê as dificuldades que tiveram que atravessar para estarem lá, diferentemente dos homens, que têm as quartas-feiras garantidas para o futebol. É difícil na nossa sociedade garantirmos esse espaço, é sempre através de luta.
O coletivo surgiu a partir de um movimento privado, jogando em uma quadra privada de condomínio, mas começou a ter problemas: uma quadra entrou em reforma, a outra quadra não sei o quê, situações que impediam de jogar. Teve hostilidade, sim. Tipo: olha esse barulho, sabe? Porque futebol e gritaria de homem não incomoda, mas bateção de bola e voz feminina talvez incomode. Quando viemos para cá, só saiu dessa esfera de prédio para entrar numa esfera de cidade, porque elas contrataram uma professora para acompanhar os treinos. Conversaram com os meninos que estavam ali no espaço e eles, no primeiro momento, aceitaram que elas treinassem. Tem sido às segundas-feira, de 20h às 22h, e desde então, há uns cinco anos.
Acho que umas duas, três semanas depois que começaram os treinos, os meninos começaram a falar que não iam mais liberar a quadra. E aí falamos: a gente precisa de mais força feminina, como vamos fazer isso? Então fizemos um evento no Facebook, o Ocupa Rotary. E chegou aos ouvidos da Paula, e ela veio!
O evento contou com quase 100 mulheres que ocuparam a quadra. Ganhamos mais dois dias de quadra, que a madrinha Paula conseguiu para nós no Parque da Aclimação – às quartas-feiras e no ginásio Mané Garrincha, lá no Centro Olímpico, às sextas. Acho que hoje temos umas 280 mulheres no grupo de Telegram, e nos jogos sempre dá umas 10 mulheres na quadra. Mas, no auge, já chegamos a ter umas 30. O jogo precisa de 10, a gente sempre busca esse número, mas com quatro jogadoras conseguimos fazer uma bagunça.
É difícil encontrar mulher que joga, que se dispõe a fazer um esporte coletivo, que saia de casa, que não tenha medo bola, que não tenha medo de ser recebida por um grupo de mulheres que não conhece. Ou que tenha esse tempo, que não esteja morta depois de um dia inteiro de trabalho. Ela tem que ter com quem deixar os filhos, tem que ter como vir ao Centro de noite. São vários fatores.
O mais legal do grupo é a resistência. É sensacional existir como coletivo de esporte. As pessoas que a gente conhece, os vínculos que você tem com pessoas que talvez não conheça de outras formas. E ocupar a cidade, mostrar que o esporte também é para mulher. Que essa quadra tá aqui e que a gente pode usar, que é seguro e que cuidamos dela. Antes de começar o treino a gente limpa a quadra inteira.
Madrinha Paula
Essa geração era a Paula, Hortência, Janeth, Marta. Tinha a Ruth, que morreu recentemente, e a Adriana, a Roselice. Elas ganharam a prata em 92 e têm Mundial, mas não têm medalha de ouro. Em 91, quando ganharam de Cuba, foi o auge, entre 91 e 94. Quando era menina eu era fãzaça, contaminei a minha família com basquete, meus dois irmãos mais novos também foram jogar, e meus pais acabaram me levando para um jogo ou outro, no Ibirapuera. Quando me tornei adolescente, fui na divulgação do livro que a Paula escreveu, tiete com 15, 16 anos, tirando fotos. Aí tava toda a mulherada lá do basquete. Há uns 3 anos, acho, veio uma treinar a gente.
Pandemia
A gente parou, né? Começou todo aquele buchicho e decidimos parar. Tivemos a ideia de continuar pagando as técnicas, elas começaram a desenvolver alguns treinos, algumas coisas para fazermos em casa, isso nos primeiros meses. A gente chegou a fazer chamada de vídeo para interagir uma com a outra, mas foi um período muito longo. Seguramos o Magic por um tempo, depois o grupo ficou em silêncio. Voltamos ano passado, mas logo a paramos quando piorou a situação, ali por outubro. Aí esse ano voltamos com máscara, com comprovante de vacina. Existe um grupo de trabalho que é um grupo voluntário, e esse grupo entrou num consenso: como volta? Quais são os protocolos que o grupo vai determinar? Então agora que a gente liberou sem máscara. Sendo um coletivo, cada um sabe da sua responsabilidade. O grupo é vivo e vai funcionando. A partir do momento que você entra na quadra, que você entra no grupo, já pode se sentir pertencente a ele.
Marcas e parceiros
A Nike entrou em contato com as meninas para fazer fotos de divulgação de uma campanha, e em troca elas pediram a reforma da quadra. Isso foi há uns 4 anos. Foi bem legal, a quadra foi pintada por mulheres de um coletivo feminino, teve uma galera rapper falando sobre esporte, fazendo música, poesia, o pessoal do Passe de Mágica, que era o grupo da Paula, veio com as crianças para fazer a inauguração. Agora já tá mais mais apagado,mas a quadra tem os dizeres igualdade e cooperação. São palavras-chave. E tem o Sesc, que é um parceiro. Já fizemos alguns eventos com o Sesc, de ir jogar lá e falar sobre o coletivo, mostrar quem somos. O evento no Sesc Belenzinho foi o mais legal, contou com um coletivo de basquete, o Rachão das Minas, que se reúne no Ibirapuera todo último domingo do mês. Elas jogam o dia inteiro, vêm de vários lugares, é um grupo enorme.
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