[Paulicéia 068] Bruno Imparato: "O Estado não pode definir manifestos artísticos"
Para atual diretor artístico do Theatro Municipal, é preciso dar base para que artistas e pensadores possam definir seus próprios movimentos.
Bruno Imparato, atual Diretor Artístico da Fundação Theatro Municipal de São Paulo, não tem o rosto que você imaginaria de primeira. De cabelos compridos e “cara de árabe", em suas próprias palavras, no dia da nossa entrevista, no café que fica dentro do Theatro, ele usava camiseta de banda de rock e estava entre um dos muitos compromissos que cumpre na região do Centro de São Paulo. Cineasta e diplomata de carreira – formado em Comunicação Social com habilitação em Cinema pela FAAP-SP, e em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo – Bruno Imparato é talvez o mais jovem diretor à frente da instituição, e vem se esforçando para deixar sua marca na rápida gestão — em maio próximo, após eventos que celebram o 22+100, ele volta a Brasília para a vida como diplomata.
No papo abaixo, Bruno comenta alguns dos eventos importantes que vão acontecer na cidade entre abril e maio, e fala do papel do Itamaraty na crise política dos últimos anos.
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Vida nos EUA e rap
“Eu fui morar nos EUA, em Portland, quando tinha sete anos. É uma área progressista, mas que ainda assim é muito cheia de preconceito, e eu sou latino com cara de árabe, tenho uma ancestralidade negra. No Brasil, me considero branco e tenho noção da minha branquitude e do racismo estrutural, que muitas vezes tá na gente, mas nos EUA eu era considerado latino, árabe ou negro. Passei pelo preconceito e os racismos que as minorias passam, mas não foi no Brasil, posso falar do que passei nos EUA: revistas aleatórias todas as vezes que entrava ou saía do aeroporto; quando sumia alguma coisa na sala de aula, a primeira mochila que a professora olhava era a minha. Isso me aproximou dos gêneros musicais que eu gosto, em especial o rap, porque ele dialoga com a exclusão, com o preconceito. Eu gosto muito de rap brasileiro também.”
Do Itamaraty para o Theatro Municipal
“Em 2018, fui para o Itamaraty, no Departamento Cultural Educacional, para trabalhar com a então Ministra Paula Alves de Souza, hoje Embaixadora. Assumi os temas ligados ao audiovisual, porque além do Rio Branco eu também sou formado em cinema. Depois, assumi a chefia de gabinete dela e a contabilidade, virei meio que um faz-tudo do departamento. Nós temos muitos colegas ligados às artes e à educação e ensino, o que é uma oportunidade de ouro no departamento cultural e educacional, a gente consegue fazer muita coisa e apoiar muitos artistas. Em 2019, aumentamos em 40% o apoio ao cinema brasileiro, via Itamaraty, e em 33% o apoio a artistas LGBTQIA +. Foi um momento muito legal. Daí, pelo meu trabalho lá, o Luiz Toledo, um dos diretores da SPCine, me indicou para fazer a direção artística do Theatro Municipal, e fez uma ponte com a Secretaria de Cultura. Ele sabia que tinha essa vaga para coordenar as celebrações dos 100 anos no modernismo, que é o 22 + 100. E aqui estou.”
Eventos 22+100
1º de maio em São Paulo
“A sociedade brasileira está vivendo um momento de crise econômica, política, social e passou por uma pandemia. Muita gente perdeu o emprego, principalmente na área da cultura. Só que a cultura, vista como serviço, tem multiplicador econômico maior do que a média de outros serviços, investir em cultura multiplica a economia, a economia se recupera mais rápido. Nas celebrações dos 100 anos do modernismo a gente teve que trazer isso e falar: estamos celebrando, mas vamos também, por meio dessa celebração, dar uma injetada na economia, contratar não só artistas, mas todas as equipes que estão em um evento como esse. Por isso a gente escolheu encerrar no 1º de maio, Dia do Trabalho, para mostrar que essa é uma celebração para o trabalhador, trazendo uma ideia do Mário de Andrade. O Mário, quando foi diretor do Departamento de Cultura de São Paulo, trouxe operários para dentro do teatro. Ele sempre falava dos artistas operários, o grupo de Santa Helena, o Rebolo, o Volpi. Isso era uma coisa muito forte na cabeça do Mário. Então esse Dia dos Trabalhadores já tava na cabeça desse que é o maior líder do movimento modernista: um homem negro e gay, da classe média, professor. A gente não podia ignorar. Juntamos todas essas referências para pensar o show de encerramento do 22+100, a celebração que começou em 22 de fevereiro de 2022.”
Abril na Praça das Artes
“Teremos um grande evento de debate, ainda sem nome oficial, trazendo artistas, produtores, agentes do mercado, intelectuais e pessoas da gestão pública para debater o que está acontecendo com a arte e a cultura neste momento, e criar um documento que dite diretrizes a serem seguidas para a retomada da economia criativa pós-pandemia.”
Contramemória no Municipal
"‘Contramemória e os outros 22’" é uma exposição que acontecerá em maio no Theatro Municipal, com curadoria de peso: Jaime Lauriano, Pedro Meira Monteiro e Lilia Schwarcz, usando parte do Acervo da Cidade, do CCSP. Vamos trazer o acervo junto com artistas contemporâneos como Denílson Baniwa, Daiana Tucano, o próprio Jaime Lauriano e Adriana Varejão, para fazer um grande diálogo, entre passado e presente, também com artistas periféricos, indígenas e trans, fazendo essa contramemória. A gente não deixa de celebrar, mas ressignificando, reincorporando. Vai ter uma participação muito legal da Perifacon, um movimento periférico de arte geek, com retratos de modernistas.”
Novos modernistas
“O Estado não pode definir um movimento ou manifestos artísticos. O lugar do Estado é apoiar os artistas e pensadores para que façam isso.
A gestão anterior criou esse conceito de Novo Modernismo, eu sou contra a ideia de que o Estado pode fazer isso, mas como já tinha rubrica orçamentária com esse nome e o caramba, a gente tentou entender uma forma de identificar o que seriam os novos modernistas. Eu vejo os novos modernistas pela lógica do Mário de Andrade. Sempre volto pro Mário, que é o cara que mais pensou, que mais estudou tudo isso. O Mário falava que "nós, os modernistas, não devemos servir de exemplo, mas podemos servir de lição". A lição que pode servir é a de tentar romper, tentar pensar uma coisa diferente. Aqui já é um outro momento, a gente está apresentando o Brasil para todos. Você tem artistas como a Linn da Quebrada, Pabllo Vittar, MC Daleste, Baco Exu do Blues, Criolo, Emicida, MC Drika. E alguns comediantes também, o humor era muito importante para os modernistas – como a Giovana Fagundes, o Yuri Marçal, o Thiago Ventura. Quando fomos listar os Modernistas do Dia, que são cem, trouxemos modernistas da época, alguns pré-modernistas que vieram antes, que embasaram o movimento, os pós-modernistas, como Waly Salomão, e os novos modernistas, que são alguns desses nomes que eu falei. É óbvio que a gente sempre vai deixar algum de fora, porque listamos apenas cem nomes e a cultura brasileira é gigantesca. Não é uma lista excludente, é exemplificativa.”
Modernista do Dia
“O "Modernista do Dia" é um projeto que desenvolvemos para o 22+100, com a comunicação, os designers e redatores da Secretaria de Cultura. Minha ideia é trazer uma coisa que é muito paulistana, que é o prato do dia, esse acordo tácito entre as padocas e botecos da cidade, de que na segunda-feira se serve virado à paulista, na terça-feira, o bife a rolê, na quarta, a feijoada, na quinta, frango com macarrão, na sexta, peixe com purê, no sábado, de novo a feijoada, e domingo não tem.”
“Quisemos servir um prato por dia para a população: um modernista com a sua história, para que as pessoas conhecessem quem são e buscassem saber mais. E esteticamente, buscamos os cartazes de mercado, que estão no inconsciente de todo mundo, não importa que classe social, fundo amarelo, canetão preto e vermelho. Colocamos os rostos desses modernistas como se eles estivessem à venda, mas estão de graça para a população. Principalmente nesse momento, quisemos deixar claro que a cultura pode ser de graça também, que as redes servem para isso.”
O Itamaraty em 2022
“Devo voltar para o Itamaraty em 2022. Sou meio movido a desafios e nesse momento de instabilidade da paz internacional acho que é uma missão importante, e eu quero poder ajudar nessas tratativas.”
“O Itamaraty nasceu em 1821, antes do Brasil, e a gente tem todas as vantagens e desvantagens de uma instituição de 200 anos. As coisas são demoradas, às vezes são burocráticas, mas temos linhas mestras que são tradições que se consolidaram como princípios constitucionais. O Artigo 4 da Constituição são os princípios das Relações Internacionais que a gente tem que seguir, que foram construídos por 200 anos de diplomatas e pensadores que buscaram a lógica que deveríamos seguir. Temos os patronos, como o Barão do Rio Branco, que é muito marcante e lapidou muitos desses princípios.”
“Por que eu tô dizendo tudo isso? O Itamaraty, quando acontecem coisas que são muito distintas das nossas tradições e dos princípios constitucionais, que são passos fora da cadência, sempre se reestrutura a partir da noção de que ele serve ao Estado e ao povo, e não a governos.
Esse é um pensamento do Barão do Rio Branco que a maioria do Itamaraty leva muito a sério: a gente serve ao bem-estar do Estado e do povo brasileiro.
Claro que existem sempre atualizações conforme a ideia de governo, mas as grandes linhas continuam as mesmas. Isso não sou eu que falo, é o nosso arcabouço jurídico. A gente serve ao Estado, não ao governo. Está na legislação nacional. A gente teve um chanceler que discordava, ele tem todo o direito de discordar, mas nós, os diplomatas, devemos seguir o arcabouço jurídico brasileiro. Assim fizemos e vamos fazer sempre, respeitando as normas, a Constituição, os poderes e, principalmente, o povo brasileiro.”
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