[Paulicéia 066] Thiago França: "Nenhuma outra cidade tem uma relação tão conflituosa com o Carnaval"
Thiago França, da Charanga, conta como é fazer Carnaval em São Paulo
Na entrevista de segunda-feira, o criador da Charanga do França, Thiago França, falou sobre seu histórico carnavalesco, o saxofone que é a essência do bloco e a decisão de tocar em festas durante o Carnaval-não-Carnaval de 2022. No papo abaixo ele conta em detalhes a magnitude do perrengue que é fazer um bloco de rua com banda no chão em São Paulo.
Como fazer Carnaval em São Paulo
Eu conheço o Carnaval no interior de Minas, conheço o do Rio de Janeiro, o de Salvador, Recife, Olinda, Zona da Mata. Já fui pra todos esses rolês. Nenhuma cidade tem uma relação tão conflituosa com o Carnaval de rua quanto São Paulo. Porque aqui você tem um volume muito grande de pessoas fazendo e não fazendo Carnaval. Se a gente dá um passo fora do trajeto, tem busão lotado levando gente para trabalhar. A cidade não para pro Carnaval. Em 2020 o Carnaval de São Paulo foi o maior em termos numéricos no país. Cinco milhões de foliões por dia. Quantas pessoas moram em São Paulo? 20 milhões na zona metropolitana inteira. É muita gente. E assim, é diferente você ir pro Aterro ou pra Santa Teresa, no Rio de Janeiro, de estar numa ruazinha bonitinha de paralelepípedos em Olinda. Aqui, num quarteirão do Centro, moram 5 mil pessoas. Ou mais. É gente querendo sair de carro, gente que odeia Carnaval, gente que quer ficar em casa...
“A Charanga é uma batalha que eu travo sozinho. Porque precisa de tempo, de disponibilidade, precisa entender e conhecer um monte de coisa. Os músicos são maravilhosos, me ajudam na parte musical, mas essa parte da produção da Charanga e da participação na vida pública da cidade são coisas que eu escolhi pra mim, e faço isso sozinho.”
Uma coisa que a galera não sabe é que não existe uma lei de Carnaval. Todo ano sai um decreto do ano do Carnaval. A partir de 2013 para 2014, ele existe por meio de decretos, todo ano sai um decreto dizendo que está autorizado, que vai ser assim ou assado. E tem mudado, essa lei tá demorando porque é isso, por enquanto ninguém entendeu direito como é que faz esse negócio por aqui. Não dá para fazer uma lei, não dá para gravar nada, porque tudo tá mudando muito. Todo ano, antes de sair o decreto, o ConSeg do Centro já está marcando reunião no Ministério Público para tentar bloquear o Carnaval, já estão lá fazendo lobby para selecionar endereço. No carnaval de 2020 a gente teve um problema gigante de logística na cidade, porque o ConSeg de Pinheiros, do Alto de Pinheiros, que é forte pra caralho porque tem um monte de gente rica, chegou lá e falou assim: aqui acabou a brincadeira. E acabou. Blocos gigantescos de Pinheiros tiveram que mudar de lugar.
O que acontece é que não dá para preparar a cidade para essa quantidade de gente. Não dá. No primeiro ano da Charanga, eu sentei com a Alice Coutinho na hora de fazer a inscrição, e a gente pensou: tá, qual a previsão de público? A Charanga fazia uns shows que iam umas quarenta pessoas. Daí eu falei, de graça, na rua? Umas 300 pessoas. Deu duas mil. Em 2020 deu vinte mil. E, cara, a gente não tava preparado. A gente saia de tarde, né, começava às quatro da tarde. Foi muita loucura, muita gente muito louca, no final deu muita merda, muita gente foi assaltada, um monte de mina sendo assediada, um monte de confusão. Em 2018 eu falei, beleza, agora vamos sair de manhã porque eu quero a galera sóbria.
E a Charanga, como é acústica, tem que ficar na Santa Cecília, em ruas pequenas, porque quem tá um pouquinho longe já não ouve. Se eu vou pra Avenida Tiradentes e coloco um milhão de pessoas, eu tenho 990 mil pessoas não ouvindo a banda e o potencial de dar uma merda é muito grande. O formato da Charanga não comporta. Não é uma banda, é um bloco, tem 120 pessoas tocando. Eu não vou fazer essa marmotagem de subir no carro de som e microfonar meu instrumento e deixar a galera no chão, é um por todos e todos por um.
A gente não tem medo da quantidade de gente porque já entendemos o nosso limite, e a gente dá conta. É mais a coisa de as pessoas ficarem enlouquecidas e dar merda no rolê. A galera voltava pro Conceição e aí ficava tocando lá até duas horas da manhã, a galera da Prefeitura me ligando, eu em casa dormindo já e os caras mandando parar de tocar, e eu "mano, eu tô em casa!"
Blocódromo
"Essa é uma tentativa de controle. E também é mais interessante para um patrocinador ter um circuito legalizado, com marca espalhada na cidade inteira porque, por conta da Lei Cidade Limpa, o patrocinador não pode meter um banner no trajeto do bloco. Eu acho que é o grande lance, é nisso que as pessoas precisam prestar atenção: quando se fala em elitização, tem um papo de white savior que fala: 'ah, mas o pobre na periferia...' Mano, o pobre da periferia se diverte muito mais do que nós, não precisa ficar preocupado com isso, os caras produzem muito mais cultura do que o Centro, ninguém precisa ficar preocupado. O problema de você só ter eventos fechados é que quem está na periferia não tem acesso aos espaços que a gente tem, e vão ganhar menos grana. Isso é fato."
"A elitização não é o acesso ao entretenimento, à cultura, mas o que acontece com quem trabalha com isso, que vai circular muito menos. É importante as pessoas olharem para o impacto na vida dos outros."
Oficina
"Nos dois últimos anos a oficina começou em maio. Acabou o Carnaval, tinha março pra dar um relax, abril pra organizar as coisas e maio começa os ensaios toda terça-feira. Durante a pandemia, a oficina ficou acontecendo no zoom. Eu fiquei dando umas aulas quinzenais. E daí é aquela coisa. Começa a fazer, no primeiro dia tem 50 pessoas, um mês depois tem quatro. Toda semana eu tinha que virar um Jerry Maguire diferente para fazer as pessoas aparecerem. Como tinha essa possibilidade de rolar o Carnaval, novembro foi o último online. Aí depois cancelou. Então agora estamos nesse observatório dos próximos passos, do que dá para fazer, se volta a oficina, se não volta (NE: fique de olho no Instagram da Charanga para saber quando/se a Oficina de 2022 vai acontecer). Porque também é isso, sem hipocrisia nenhuma aqui, eu tô tocando em balada e a galera tá toda sem máscara nos rolês, porque tá todo mundo vacinado. Mas fazer oficina, que presencialmente leva um número grande de pessoas com instrumentos de sopro, tocando sem máscara, é diferente. Se a pessoa tá pra balada, ela por vontade própria tira a máscara. Agora, se eu chamar as pessoas pra ficarem nesse ambiente, tocando, a responsabilidade é minha."
11 coisas para fazer em São Paulo. Com ou sem máscara.