[Paulicéia 055] Charly Andral: "Resgatar as coisas é cada vez mais necessário, não se pode jogar tudo no lixo"
O empresário francês radicado em São Paulo, criador do Andar43, fala sobre a vida dentro do Mirante do Vale, um maiores arranha-céus da cidade
O francês Charly Andral é mais um caso de europeu que se apaixonou pelo Brasil durante uma viagem e decidiu criar vínculos e viver aqui. Seria uma história até comum, essa do gringo que se apaixona pelos trópicos, não fosse o resultado: Andral comprou um apartamento no alto do Mirante do Vale (durante muito tempo o edifício mais alto de São Paulo) e está aos poucos transformando-o em uma pequena floresta de Mata Atlântica. O projeto chama Andar43 e é capaz que você já tenha visto imagens dele no seu feed do Instagram.
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Chegar em São Paulo
"Eu cheguei fazendo turismo, em 2016. Achei uma cidade muito inspiradora, sobretudo no Centro, com muita energia e uma vida noturna poderosa. Meus pais são dos Alpes, cresci na roça, mas gosto de grandes cidades. Então aprendi português, fiz amigos e fiquei aqui."
O Mirante do Vale
"Eu fiz um tour de arquitetura logo que cheguei, e visitei o Mirante do Vale1. Visitei e esqueci. Mas dois anos depois, estava olhando o mercado imobiliário, porque tinha amigos franceses pensando em investir aqui, e reencontrei o prédio. Para mim, ele é como uma pedra fechando o Vale do Anhangabaú, absurdo, frio. Mas traduz bem a beleza dentro dessa feiura que é a marca de São Paulo."
"É um prédio icônico, não só por ter sido o mais alto do Brasil durante muito tempo2, mas porque é um monumento à burocracia, criado por um engenheiro que concebeu todos os andares iguais, focando na rentabilidade, sem ornamento algum.
Achei interessante a ideia de impulsionar coisas mais orgânicas dentro dessa casca puramente comercial. É uma mudança de ponto de vista, e de civilização também.
"O Mirante do Vale é uma Torre de Babel: cada pessoa fala uma língua. Tem jovens empreendedores querendo fazer coisas de moda, tem chinês que compra sala para armazenar material para loja na Santa Ifigênia, tem o primeiro morador, que vive aqui até hoje. Isso sem contar os antigos escritórios, que têm essa pegada de escritório de advogado dos anos 1970, parados no tempo. Essa diversidade do prédio o torna muito rico."
O Andar43
"Eu comprei o apartamento em 2020. Quando cheguei o prédio estava meio vazio, a sala estava abandonada, não tinha ninguém para alugar. Lancei um edital para estudantes de arquitetura com uma pequena recompensa, para reunir ideias. Uma das propostas que recebi, muito interessante, foi de um arquiteto e antropólogo chamado Thiago Benucci3, professor na Escola da Cidade, que pesquisa as formas de habitar do povo Ianomâmi. O Thiago trouxe um triângulo de redes que ficou na sala por alguns meses, como um convite ao desprendimento. Eu queria continuar essas narrativas, trazer leveza. Então a ideia da instalação com plantas veio dessa continuidade."
No funcionamento capitalista, quando uma coisa para de ser rentável é simplesmente abandonada.
“É o caso dos prédios do centro de São Paulo. É uma tristeza, porque a localização é ótima, a arquitetura é muito interessante. O que está acontecendo aos poucos no Mirante do Vale é que o prédio está se recuperando sozinho, de forma orgânica, não existe um grande plano de investimento da Prefeitura. As pessoas estão transformando o espaço. Recuperar, cuidar, resgatar coisas vai ser cada vez mais necessário, porque a gente não pode jogar tudo no lixo."
Uma floresta de Mata Atlântica
"O espaço tem esse contraste visual óbvio, inclusive agora que o Anhangabaú é todo concreto. Tem uma coisa interessante que aconteceu com o Anhangabaú, do ponto de vista da vegetação: eles tiraram muitas árvores grandes para essa reforma, falando que não eram nativas do Brasil, e plantaram árvores da Mata Atlântica. Mas para quê tirar as árvores que estavam prestando serviço para a sociedade, que davam sombra fresca, em nome de um patriotismo ambiental que vai demorar décadas para se concretizar?"
A Mata Atlântica é bem menos conhecida do que a Amazônia, e aqui a ideia é valorizar esse bioma, fazendo as pessoas entenderem que existe um ecossistema onde hoje é São Paulo, que as coisas são interligadas.
“As plantas criam um microclima amigável para as pessoas voltarem a respirar, a ver o horizonte, ver o céu, sair do dia a dia angustiante. As pessoas ficam felizes de vir aqui."
Como conhecer
O Andar43 é uma instalação viva que permite visitas, realiza jantares e eventos, e pode ser alugado para hospedagem de curta duração.
A programação dos próximos eventos inclui noites de drinks (em 29/01 e 12/02) e brunch com comida caseira do chef Daniel Vasconcelos (dias 12/02 e 26/02). Já a hospedagem é via Airbnb – e na edição de quarta-feira eu conto (apenas para apoiadores do Paulicéia) como é passar uma noite no Andar43.
Apenas para apoiadores do Paulicéia: eu conto como é a experiência de passar uma noite no Mirante do Vale.
https://www.archdaily.com.br/br/884344/guia-de-21-mirantes-para-conhecer-sao-paulo-do-alto
https://www.mirantedovale.com.br/sobre-o-edificio/
https://escoladacidade.academia.edu/thiagobenucci