[Paulicéia 048] Fabiana Batistela: "São as pequenas casas de shows que alimentam o mercado"
Criadora e diretora da SIM São Paulo lamenta o fechamento de espaços para a música na cidade
TL;DR 👉 Na entrevista de segunda-feira, Fabiana Batistela, a Fabie, criadora e diretora geral da Semana Internacional de Música de São Paulo, falou sobre a importância da retomada do evento no calendário da cidade. No papo de hoje, só para assinantes, ela conta como foi a SIM desse ano, que teve público reduzido (foram disponibilizados mil passaportes para o evento) entre os dias 01 e 05/12. "Foi um público extremamente engajado, quem entrou conseguiu aproveitar e saiu muito impactado porque a gente falou de muitas coisas: meio ambiente, saúde mental, perspectivas para o futuro."
"O sistema híbrido, proposta do evento para esse ano, funcionou bem. A gente teve o tempo todo um público moderado no espaço virtual e no presencial. Não teve aglomerações, mas quem foi aos eventos presenciais conseguiu aproveitar bem, de forma segura. E no virtual também. Mas acho que o grande ponto da SIM é que a gente focou muito em assuntos não só de mercado. Eu acredito que o mercado está muito machucado, principalmente o mercado de música ao vivo, todo mundo foi muito afetado, tem muitas questões pra resolver antes de sair correndo fazendo coisas, e essa é uma grande preocupação minha, ver as pessoas correndo para voltar ao ponto em que a gente parou, sendo que o que temos hoje é um mercado diferente, um mundo diferente. Então a proposta da SIM São Paulo foi justamente fazer a gente refletir, parar, conversar e entender onde estamos agora e o que estamos esperando do futuro. Para conseguir não reconstruir, mas construir de forma melhor."
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Qual é o impacto da SIM São Paulo?
"Acho que é um formato de evento que perde sentido se os participantes não têm resultados. Esse resultado pode ser uma maior agenda de contatos, pode ser encontrar novos parceiros de negócios, pode ser um novo contrato, uma contratação para um festival, um convite para um novo projeto. Te dou um exemplo: a primeira vez que Liniker tocou ao vivo na vida dela, foi em uma SIM São Paulo1 e ela saiu desse evento com várias propostas. Então, assim, essas feiras de negócios também existem para lançar novidades, conversar sobre o futuro, criar caminhos de negócios e caminhos artísticos. Sempre sai muita coisa da SIM: festivais e associações de classe foram criados ali. A programação colaborativa2 traz novidades e tendências artísticas do Brasil e de vários lugares do mundo. Isso cria um movimento que, mesmo que aquele nome que está ali não se torne o próximo grande astro da música, a conversa, a exposição de ideias, de novos formatos, de novas estéticas acaba indicando que tipo de música as pessoas vão ouvir, como elas vão trabalhar, que valores nós vamos construir. Muitas coisas que a gente vive e consome hoje foram lançadas em feiras. A roupa que você veste hoje, onde foi lançada essa tendência? Nas feiras de moda. O aplicativo que você usa hoje para ver filmes, provavelmente estava lá numa feira de inovação ou de audiovisual tentando captar investidores para ser lançado. Então tudo começa por aí. Você pega o que está nascendo no mercado e na arte e coloca visível para todo mundo ver e usar. A SIM trabalha três frentes: indústria/mercado, identidade/cultura e transformação social. Sempre trouxemos questões como equidade de gênero. Fomos talvez o primeiro no Brasil a ter como regra que toda a programação tivesse 50% de mulheres — isso em 2015! A SIM é também o primeiro evento grande, que eu lembro, de ter uma mesa com pessoas trans da música. Tentamos ter sempre um equilíbrio de pessoas pretas, trans, lgbt, mulheres, pessoas com deficiência em nossas mesas, painéis e programação artística, não em discussões isoladas."
Esses recortes ainda são necessários?
"Hoje são. Talvez um dia não sejam. A parada LGBT, por exemplo, é super necessária porque ela não tá falando sobre como é legal ser homossexual no Brasil. Ela está falando sobre lutas de igualdade, sobre a necessidade de políticas públicas que assegurem direitos, sobre segurança. Enquanto a gente tiver mulheres morrendo, pessoas pretas morrendo, LGBTQIA+ morrendo, a gente precisa desses eventos. E precisamos cada vez mais, na verdade, para que se abra espaço e discussão e que essas questões tenham destaque. Um evento de música precisa ter essas pessoas, eu acredito nisso. É minha obrigação ter diversidade de pessoas representadas na equipe, na programação, não de forma isolada. Como mulher empreendedora da cultura, quando sou chamada para um evento de música e sou chamada para uma mesa sobre mulheres na música, sinto como se estivesse sendo chamada para brincar no cantinho, enquanto os caras falam dos assuntos sérios, como se eu não tivesse condições de falar de outro assunto que não esse de ser mulher no mercado da música. A gente não pode mais ir por esse caminho, a gente tem que garantir equilíbrio em todas as programações, profissionalizantes ou artísticas."
Você enxerga alguns aprendizados a partir do momento em que o online fica no evento de vez?
"Com certeza! Acho que isso não vai mudar. O online está presente em todos os eventos, nem que seja uma transmissão ao vivo. Todo mundo entendeu a importância de ter conteúdos que complementam o evento físico, acho que ninguém mais vai pensar num evento presencial sem a força da parte digital, os eventos tendem a ser híbridos."
Você consegue fazer algum tipo de previsão do que vai acontecer musicalmente em São Paulo a partir do ano que vem?
"A gente tá vendo que os eventos anunciados estão vendendo todos os ingressos, estão bombando. Antes da pandemia a gente vinha de um momento muito forte de ocupação de espaço público, de festas de rua, coletivos, todo mundo trabalhando junto pelo mesmo ideal, estética ou posicionamento. A gente vinha disso muito forte. E aí teve essa quebra, muito drástica, de conexões, de encontros. E também muitas casas fechando, principalmente as pequenas, que são o grande berço da nova produção artística. As pequenas casas são responsáveis por lançar novos artistas, público novo, são elas que alimentam o mercado. Todo grande artista já passou por uma pequena casa, todo grande empresário começou numa pequena casa, é onde o negócio nasce e isso foi muito prejudicado. Então, pra mim, o que vem agora é uma grande dúvida, eu não consigo te falar."
11 coisas bacanas para fazer em São Paulo neste fim-de-semana, só para assinantes, em indicações dos amigos do SP24hrs.