[Paulicéia 039] KL Jay: "Eu toco toca-discos"
O DJ fala sobre a rotina caseira durante a pandemia e o retorno à discotecagem após os meses em casa.
O Kleber Simões, ou KL Jay, é um dos DJs icônicos de São Paulo. Muito por causa de sua trajetória dentro do Racionais MC's, claro. Mas tem muito mais que isso. Vindo da mesma geração de jovens que encontrou o hip hop (e a cultura DJ, por consequência) no Centro de São Paulo, KL Jay tem uma relação intensa tanto com a música (sua coleção de vinis tem mais de dez mil volumes) quanto com o Centro da cidade, onde escolheu viver. Na primeira parte da entrevista, abaixo, ele conta como se tornou DJ, explica que toca-discos é instrumento musical e fala sobre a reabertura da vida noturna da cidade. E na quarta-feira, em edição para apoiadores, ele fala sobre a vida no Centro.
Quem é KL Jay?
“Saudações, eu sou o Kleber Simões, mais conhecido por aí como DJ KL Jay. Tô com 52 anos, sou DJ há 33 anos, somando a parte amadora e profissional. A vida tá boa agora. Primeiro porque eu tô vivo, e eu passei por muita coisa. Hoje tenho uma mente mais aberta, sou menos ignorante do que já fui. Tenho uma situação financeira melhor, tô com saúde, meus filhos estão grandes e continuo tendo a mente jovem. Também tenho uma ótima posição na minha profissão. Sou DJ e um pouco músico, produtor musical, comunicador. Mas o principal é o DJ. O DJ é um músico instrumentista. O toca-disco e o mixer são instrumentos. Você tira um puta som dali. Eu toco toca-discos. Comecei nos anos 80, em 1984, 85. Naquela época existiam muitos bailes, além de festas em casa. Eu me identifiquei com o funk, a música que era tocada nos bailes blacks que reuniam duas mil, três mil pessoas. Mas muita gente fazia festa em casa também, e eu entrei nessa onda. Eram festinhas pequenas, eu tinha um três-em-um, meu outro amigo tinha um tape deck, um amigo emprestava as caixas, outro emprestava um amplificador e era assim que a gente fazia. Toda a aparelhagem e os DJs, ficavam no quarto e a festa acontecia na sala. O DJ não era visto, a gente tocava a música de dentro do quarto, como se fosse uma cabine de avião. A gente olhava pela fechadura da porta pra ver se as pessoas estavam dançando. Que nem a Orquestra Invisível do Seu Oswaldo1. Veio dessa cultura aí! Foi assim que eu comecei. “
Os primeiros discos
“Era muito difícil comprar disco, eu trabalhava de office-boy, ganhava um salário. Para ter acesso aos equipamentos tive que comprar muita coisa usada. O primeiro disco que comprei foi o disco do Freddie Jackson, "Love Me Tonight". E aí comecei. Os meus amigos mais velhos me traziam até o Centro para comprar discos. Nunca esqueço do dia que um amigo do bairro me levou na Barão de Itapetininga, comprou o disco do Zapp "More Bounce To The Ounce", sempre que eu passo lá eu lembro disso, a loja é do lado do McDonald's, perto do Theatro Municipal. Fui comprando devagar. Discoteca se constrói, sempre falo isso para as pessoas, é um passo de cada vez, o tempo passa e você percebe que tem dez mil discos. No meu apartamento tenho um quinto dos meus discos, tipo uns dois mil. Os outros estão na casa da minha mãe, eu construí um andar inteiro para levar os discos pra lá porque ela não aguentava mais a sala cheia de disco. Moro no Copan e tô no Centro há uns oito anos. Me apaixonei pelo Centro quando comecei a trabalhar de office boy, isso nos anos 80. Esse lugar movimentado, um monte de carro, de gente, banco, loja, metrô. Sempre me identifiquei muito. O que eu gosto do Centro é essa vida que não pára nunca.”
Discotecagem durante a pandemia
"Eu parei total. Inclusive quando decretaram lockdown em São Paulo eu tinha datas marcadas, todas canceladas. Datas minhas e do Racionais. Fiquei muito triste nos seis primeiros meses com o tanto de gente que morreu, o tanto de gente que perdeu emprego, que fechou loja, que perdeu comércio, que ficou doente, ficou mal. Durante um tempo eu não consegui ouvir música dentro de casa. Todo o equipamento, os discos lá, e não conseguia ouvir. Recebi convites para fazer festas clandestinas, mas falei que não. Fiz poucas lives também, mas não gosto de live, não tem o calor, a energia das pessoas. É você ali tocando sozinho com a câmera. E não é uma música, duas, é um set de uma hora, uma hora e meia. Fiz uma live paga, duas pagas e duas de amigos, trinta minutinhos. E o que fiz periodicamente foram lives de conversa, aí é legal, fui convidado para falar sobre sobre vários temas. Esse tipo de live de troca de ideia eu acho interessante."
Daqui pra frente
"Vou voltar a tocar em novembro. Teve convite pra tocar durante a pandemia, mas eu não quis. Eu gosto de balada, né? Todo mundo em pé, aglomerado, dançando, bebendo, falando. Gosto disso. Acho que a balada vai voltar gradativamente. Tem muita gente tocando em bar, com as pessoas sentadas. Mas o governo vai liberar agora em novembro todo mundo, né? Acho que vai explodir. Já tá explodindo. Meus planos são continuar tocando. Mas eu não quero tocar todo dia, ter a mesma rotina que eu tinha, de chegar em casa pra dormir e sair. Vou tocar menos, distribuir mais as discotecagens ao longo do ano. Tenho a minha gravadora também, um selo por onde lanço os artistas, nclusive acabamos de gravar um videoclipe com um artista de lá muito talentoso, chama Boca 777. O Racionais vai voltar a fazer show em janeiro2. Mas o que sou a fim de fazer é discotecar mesmo. Porque é quando tô ali com o público. Sou eu pilotando a máquina ali sozinho. Eu pilotando a nave e eles são os passageiros. Muito bom, lava a alma, a pessoa entra deprimida e sai bem. O poder da música. Quando a música é boa e o DJ tá ali na frequência. O mais difícil é fazer o link de uma música com a outra. A condução. Você tem que conduzir as pessoas, e é difícil. Isso vem com o tempo de carreira, com sensibilidade. Você tem que ter a mente aberta, tem que arriscar, tem que ter a segurança de saber que as músicas que você vai tocar são músicas boas. Essa sensibilidade, e não é uma pretensão minha, de saber a música, que a música é boa, não é para todos. Tem gente que não tem bom gosto, tem a técnica mas não tem um bom gosto. Discotecar é um contexto, um conjunto. Eu falo que é uma magia. Foi isso que senti quando vi um DJ mixar pela primeira vez. Isso foi nos anos 80, não lembro mais a música, mas lembro da mixagem perfeita de uma música para outra, como se fosse uma só. Sempre falo nas minhas oficinas que mixagem são duas músicas tocando juntas como se fosse uma."
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Na edição de quarta-feira, só para apoiadores, com KL Jay fala sobre sua ligação com o Centro de São Paulo.
Racionais MC's volta a fazer shows em São Paulo em 2022 (Tenho Mais Discos Que Amigos)
Parabéns pela entrevista Gaía. Meses atrás me viciei em um Booiler Room do KL Jay. Sempre dando aula. Compartilho aqui tb caso queira assistir/ouvir: https://www.youtube.com/watch?v=GnX59TwFqks