[Paulicéia 044] Diógenes Moura: "Escrevo sobre existência, imagem e abandono"
Escritor e curador de "Terra em Transe" fala sobre seu livro mais recente, "Vazão 10.8: A Última Gota de Morfina"
TL;DR 👉 Na edição de segunda-feira, Diógenes Moura1, escritor, curador, roteirista e editor, contou sobre sua relação com São Paulo e sobre a mostra "Terra em Transe", com mais de 600 imagens de alguns dos melhores fotógrafos do Brasil. Hoje, Diógenes fala sobre seu livro mais recente: "Vazão 10.8", escrito durante a pandemia em seu apartamento nos Campos Elíseos, que vai ganhar versão em filme pelo cineasta Beto Brant. E, só para assinantes do Paulicéia, Diógenes fala sobre os livros “O Antiacarajé Atômico” e “O Livro dos Monólogos", que foi semifinalista do Prêmio Oceanos. Conheça também todos seus publicados incluindo “Ficção Interrompida”, premiado pela Associação Paulista dos Críticos de Arte e finalista do Jabuti de Literatura.
"Vazão 10.8: A Última Gosta de Morfina"
"Quando uma pessoa me fala: você escreve sobre o quê?, eu respondo o seguinte: eu escrevo sobre existência, imagem e abandono. É isso, a resposta é essa. O que aconteceu com a minha irmã, todos os desenhos e tudo isso que eu anotei, foi porque falei: ela não vai passar impune. Ela foi o grande amor da minha vida. Uma mulher que não amou a maternidade, tinha uma relação difícil com os três filhos, um marido alcoólatra. Obviamente é uma história longa. Esse livro não é um livro sobre a morte, é sobre a existência de uma mulher, de como essa mulher teve que criar os três filhos, vivendo dentro da casa dos pais, de onde ela só saiu com os filhos adultos, e chegou ao ápice da sua vida. Ela tinha 59 anos quando morreu de câncer. Me chamou e disse: tenho seis meses de vida, em seis meses estará tudo resolvido. E assim foi feito. Então, em 30 de dezembro de 2018, ela já na cama com o home care e tudo mais, tomando aqueles tubos que saíam das torres e entravam no seu corpo, e os tubos foram sendo desligados porque ela já estava tendo falência múltipla dos órgãos, em um minuto de lucidez, ela diz: vá dormir, eu preciso descansar. E aí eu peguei um avião e vim dormir, no dia 30 de dezembro de 2018. Deixei a mala na sala, tomei banho e deitei, eu cheguei às 7h ou 8h da noite. Bom, amanhã é domingo, eu vou dormir o domingo inteiro, porque segunda-feira o telefone vai tocar. E o telefone tocou às seis e meia da manhã do dia primeiro de janeiro, meu aniversário.
“Então é assim, o livro é sobre isso. E tem o filme sobre o livro. Sou amigo do Beto (Brant, diretor de cinema, que está fazendo uma adaptação do livro para o cinema2), ele leu todos os meus livros. Eu mandei para ele, que me ligou e disse que "o livro é um filme, vamos fazer?" Falei com editora e a gente fez uma leitura cinematográfica. É um longa, possivelmente. Foi todo gravado aqui no meu apartamento, tudo virou um estúdio. É uma leitura do livro, capítulo por capítulo, com imagens, retratos, todas essas coisas. O livro começa a ter lançamentos presenciais no Flipelô3 em 21 de novembro, em Salvador, e em 25 de janeiro em São Paulo no Estudio 41. O Manuel da Costa Pinto, na live de lançamento do "Vazão", disse a coisa que eu mais gostei: impressionante como os seus livros todos têm o Brasil dentro deles. E ele conhece, porque já escreveu sobre todos os meus livros, é real. Eu sabia disso, mas nunca tinha ouvido de ninguém, entendeu? Você perguntou se é meu primeiro romance, é a essa dificuldade que a imprensa tem, que precisa que você diga o que você é. Você é romancista, você é contista, você é o quê? Você escreve poesias, você escreve crônicas? Eu fico pensando, poxa, se fosse assim a Svetlana não tinha ganhado o prêmio Nobel de Literatura com o livro-reportagem sobre Chernobyl. Aquele livro é deslumbrante. Entendeu? Tá vendo, é reportagem mas também é romance.
“O Antiacarajé Atômico” e “O Livro dos Monólogos”
Tudo meu é sobre São Paulo e sobre o Brasil. Eu amo esse lugar. Não poderia morar em outro lugar a não ser essa cidade. Então na minha frente ou respeita ou me retiro. Por isso a minha resistência em relação a este modismo. Então, "O Livro dos Monólogos"4 foi semifinalista do Prêmio Oceanos. Quando estourou a pandemia, eu achei uma coisa muito significativa. A pandemia tá aqui, é o que abre esse livro. Eu fui fazer uma exposição no Museu da Fotografia em Fortaleza e fui trabalhar no espetáculo que é o maracatu. Fiquei o Carnaval inteiro. Em oito de março de 2020, antes de pegar o avião, no aeroporto, ligou um amigo que morava em Oxford, e me disse: se prepare, vai fechar tudo. E fechou. E aí eu escrevi esse livro durante os sete primeiros meses aqui dentro dessa casa. Isso é uma coisa. Tem as vozes, à noite, de madrugada, tudo aquilo. Do ano passado para esse, tudo se modificou. A outra coisa é a loucura dos gritos durante a madrugada, que diminuiu. Um dos meus livros termina com uma briga entre um homem e uma mulher, duas pessoas do crack, no meio na madrugada, e durante a briga ela diz: "você ouviu o que você disse, Junior? Você ouviu? Você disse que eu vendi nosso filho na biqueira, no meio do crack. Quem vai te matar sou eu, Junior." Foi na esquina, porque ele disse que ia matá-la e ela deu essa resposta. Mas tudo aqui mudou muito, o silêncio aumentou durante a madrugada. Fora daqui não posso dizer porque eu não frequento outros bairros. Eu fico aqui, eu vivo aqui, e aqui eu fiz esse livro, "O Antiacarajé Atômico". Esse nome é por conta da relação com minha amiga Cris, a Cristina Fontes de Mel, como ela era conhecida. São as vozes, né? Eu ouço muitas vozes, acho que todo escritor e todo o criador ouve isso, e eu ouvi e falei bom, vou começar a escrever hoje. E aí o título veio imediatamente: Antiacarajé Atômico5.
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