Na entrevista de segunda-feira, o Kleber/KL Jay falou sobre sua relação com seu instrumento de trabalho: o toca-discos. No papo de hoje ele conta sobre sua relação com a região central de São Paulo e o que espera para esse momento de reabertura que a cidade já vive.
Ficar em casa durante a pandemia
Pra mim foi ótimo! Porque antes eu entrava em casa e saía. Começava a tocar na quinta, chegava de manhã em casa, dormia, acordava, trabalhava de novo. Aí chega sexta, chega sábado, você acorda, vai para o aeroporto e pega um avião, toca sábado, volta de tarde, chega em casa às oito, nove horas da noite, na segunda sai com os amigos, porque você tem que se divertir, tem que trocar ideia... A pandemia me fez olhar para minha casa. Eu tirei muita coisa, comprei um monte de planta, ficou outro astral. Quando você não fica muito em casa, você não percebe. Aí quando fica mais, você percebe que cuidar dela é legal, faz mais comida, vê mais filmes. E eu moro sozinho, gosto muito de ficar sozinho, então foi ótimo para mim. Eu vi muita gente em crise, com depressão. Mas eu fiquei bem. Tô até mal acostumado que agora vão voltar os trabalhos...
A vida no Centro
Quando fui morar no centro, eu fui pro Redondinho, aquele prédio na frente da Roosevelt. Morei lá e aí eu fui... como é que eu vou dizer, eu falo que fui expulso Porque eu morava no último andar e tinha um problema com encanamento de água. O cara que morava na cobertura, funcionário do prédio, teve um problema com encanamento e eu cheguei um dia no meu apartamento e estava inundado. Perdi várias capas de disco. Aí comecei a procurar outro lugar e achei o Copan. Fiquei com medo, um prédio desse tamanho, do jeito que eu sou, os caras vão meter um preconceito comigo. Fiquei com medo. A gente fica com medo, né? Achava que era um ambiente inóspito, nunca tinha entrado nesses blocos. Eu entrei no bloco B há muito tempo, no podcast do Copan conto essa história (LINK). E aí o que que aconteceu é que o proprietário me mostrou o apartamento, eu gostei, falei "vou tentar aqui" e consegui. Fui bem tratado, os porteiros abrem a porta do elevador para mim, o prédio é limpo e muito bem organizado. E fiquei lá. Depois um vizinho mudou e eu mudei para o apartamento dele, que é maior, tem um quarto para a minha filha, ganhei mais espaço, coloquei mais discos. Às vezes eu dou um giro a pé pelo Centro, vou até o outro Centro, o Centro velho, onde eu trabalhava de office boy, andava muito por aquelas ruas, Álvares Penteado, São Bento, Largo do Café, a Bolsa de Valores, a Xavier de Toledo, a 15 de Novembro. E aqui perto do Copan eu venho sempre no Alberta, gosto daqui. Na Augusta, que é muito movimentada, tem um bar chamado Brooklin, onde meu filho mais velho tá tocando, então vou lá ver ele tocar, mesmo no esquema de todo mundo sentado. Tem muita coisa aqui no Centro, né?
O Centro hoje.
Ah, o Centro tá muito abandonado, as prefeituras foram abandonando o Centro. Tem a ver com a situação do país também, muita gente morando na rua, muita gente louca, muito viciado em crack que vem para cá conseguir os recursos para ir à Cracolândia comprar droga, muito lixo e muita sujeira. Mas eu sinto que existe o movimento contrário também, as pessoas do Centro que lutam contra isso. Por exemplo: tem uma arquiteta que mora no Copan, ela fez um projeto de montar um jardinzinho ali na rua de frente, onde passa o ônibus e tal, ninguém estraga ali. E a quantidade de bares que vinham abrindo antes da pandemia, tudo isso dá vida para um lugar também. Então é isso: hoje em dia eu vejo, infelizmente, o Centro Novo e o Velho muito abandonados, é triste. Mas mesmo assim não perdeu a magia. O Centro é mágico.
Ser paulistano.
Ser paulistano é ter o privilégio de morar em uma das principais cidades do mundo. E morar no Centro é o privilégio de ter metrô, cinema, bar, restaurante, essa vida cultural fodida. É esse privilégio para mim. Me sinto privilegiado mesmo. São Paulo é onde as coisas acontecem, mais do que Nova York. NY é uma São Paulo melhorada, mas, assim, a vida noturna de São Paulo acaba às 6h da manhã e em NY às duas os caras fecham. A vida cultural de São Paulo é muito rica.
São Paulo, reabertura
Vejo isso, não pela Prefeitura, mas pelos produtores culturais, como o Alexandre Youssef por exemplo: o que ele fez com o Baixo Augusta é inacreditável, né? Esse lance dos blocos também. A vida noturna de música eletrônica e de música negra no geral é muito rica. Então eu acho que agora, com a reabertura, São Paulo vai explodir. Porque as pessoas que respeitaram a pandemia tão loucas sair para rua, para curtir, pra viver, né?
Desde meio de outubro, as edições de quarta e sexta-feira tem sido exclusivas de apoiadores do projeto — como você!
A proposta do Paulicéia sempre foi criar um híbrido de conteúdo gratuito com conteúdo pago, tanto que ofereço planos de assinatura desde o lançamento). Funciona assim: as entrevistas de segunda, com os retratos do Ale Ruaro, são gratuitas; os conteúdos enviados às quartas (sempre um aprofundamento do assunto de segunda) e às sextas (dicas de roteiro cultural em São Paulo) são apenas para assinantes de modalidade paga: modalidades mensal, anual e membro fundador, com um valor inicial de R$15.
Se você gosta do conteúdo que recebe e quer ajudar o Paulicéia a se manter ativo, considere compartilhar com pessoas que você sabe que vão gostar de conhecer:
É retomada que chama? 11 coisas para fazer em São Paulo (na rua) só para apoiadores do projeto. E se você tem uma dica que gostaria de compartilhar, sabe de alguma coisa bacana para fazer ou tem um evento rolando, me avisa por aqui: