[Paulicéia 011] Débora Vianna, do SESI, e a cultura na Avenida Paulista
"Esse momento é de mostrar para as pessoas o quanto a cultura é importante."
TL;DR 👉 Edifício icônico da Avenida Paulista é sede do SESI, FIESP e de sindicatos ligados à indústria. O maior desafio do espaço cultural foi transferir público de atividades presenciais para o online. Gerente de gestão cultural das instituições acredita que área cultural foi a mais prejudicada durante a pandemia, e diz que não é possível viver sem arte ou música.
A fachada do edifício SESI-FIESP, na Avenida Paulista, é uma das imagens mais conhecidas de São Paulo. O prédio preto e triangular, ganha projeções luminosas de noite e é palco de shows na calçada, peças de teatro e mostras de arte concorridas como o FILE (que não aconteceu em 2020 e 2021). E, sim, também é ali que estacionam alguns manifestantes vociferando delírios para os quais não vale a pena dar espaço.
O que muita gente não sabe é que o prédio não é só sede da FIESP, mas o endereço da Federação das Indústrias, de sindicatos, escritórios e o Centro Cultural FIESP, com teatro, mezanino, uma galeria de arte e outra de fotos. A própria fachada, iluminada por milhares de lâmpadas, é uma galeria de arte digital vista por todos que passam na avenida durante a noite. Ah, e tem um jardim lindo no topo, fechado ao público e usado em eventos internos.
É nesse edifício icônico que Débora Vianna, 48, gerente executiva de cultura do SESI SP, trabalha há 27 anos. Ela viu de perto todas as mudanças da Paulista, inclusive as duas mais recentes: a avenida assumindo sua vocação cultural e os fechamentos dos seus espaços. A edição 2021 do Paulista Cultural, que pela segunda vez aconteceu online, é a prova de que o principal corredor cultural da cidade sobreviveu e se prepara para um grande momento quando "tudo isso aí" passar em algum momento de 2022.
"Durante a pandemia, a área de cultura, sem sombra de dúvida, foi a mais prejudicada, sofreu muito e vai demorar para se restabelecer e se reorganizar."
Qual foi o maior desafio dos espaços culturais do SESI nesse um ano e meio?
Entender a impossibilidade de receber público, que não poderíamos estar com espaços abertos. O que eu vou fazer? Como eu vou manter essa área de cultura funcionando, manter essa equipe motivada, manter o vínculo com os artistas, como adaptar isso? Não esmorecer foi um grande desafio.
Se teve uma área que foi muito afetada, foi a área de cultura. Todos fomos, mas a área de cultura, sem sombra de dúvida, foi a mais prejudicada, sofreu muito e vai demorar mais tempo para se restabelecer e se reorganizar.
Qual era a situação quando a pandemia começou, em março do ano passado?
Nós estávamos com o Centro Cultural a todo vapor, como sempre, com uma exposição prestes a abrir na galeria de arte e outra mostra já aberta no espaço de exposições, que é um espaço menor onde a gente trabalha projetos voltados para o público jovem e infantil. Era o Conexões Urbanas, que dialoga totalmente com arte pop, grafismo e todos esses projetos que tem total ligação com a questão urbana, com curadoria do Baixo Ribeiro. E uma exposição fotográfica com curadoria do João Kulcsár, Retratos de Mulheres por Mulheres. Então a gente estava bem nesse auge, com o teatro para estrear espetáculos inéditos, com o mezanino, que tinha passado por uma reforma, prestes a retomar a programação. O palco do Domingo na Paulista, quando a Paulista fica fechada, estava funcionando, com shows e apresentações musicais. Então a gente estava com vida normal.
Você lembra do momento em que recebeu a notícia de que teria que interromper a programação?
Foi um baque. A gente se viu perguntando o que fazer. Nós tivemos que fechar todos os espaços, colocar a equipe em home office e começar a pensar e esperar. Naquele momento imaginando que seria coisa de três meses, tinha uma perspectiva de que a partir de julho voltaria ao normal — o que não aconteceu. Foi um processo bem complicado de levar as pessoas para o home office, nossas atividades eram todas com equipe totalmente presencial, porque o que move o Centro Cultural é a presença de público, é a interação. A nossa atuação no online não era tão grande, tão presente. Nosso principal objetivo sempre foi trazer o público para dentro do espaço.
Nesse período vocês conseguiram desenvolver um trabalho forte no online?
Sim, mas foi um processo. Nós fomos analisando o que já tínhamos disponível em meio digital que poderia ser adaptado. E foi um processo geral de todas as instituições, inclusive de negociar com os artistas que iam estrear e dizer: olha, vamos ter que parar os contratos, vamos ter que esperar, ver como a situação vai ficar e aí voltar a conversar. Aos poucos fomos colocando, na medida que fomos vendo, que não havia perspectiva de retomada em vista. E começou um movimento, inclusive, entre as instituições culturais aqui da Avenida Paulista, para sentar e discutir como seria. Foi um processo lento, de adaptação e cuidado.
Vocês estão no momento trabalhando com uma previsão de reabertura, uma nova normalidade?
Temos uma expectativa para o início de 2022. Mas ainda é uma expectativa, nada certo e eu, particularmente acho que vamos retomar de forma gradativa. Conseguir ir abrindo, ampliando um pouco mais o público, voltando de repente com um espetáculo teatral a partir do momento que estiver todo mundo vacinado e testado. Temos uma perspectiva no Centro Cultural de tentar retornar na última semana de agosto, talvez no início de setembro. Estamos conversando com as produções, verificando quem já se vacinou, quem não vacinou, como adaptar o espetáculo. A música a gente até consegue fazer em lives. Você põe os músicos no palco, com distanciamento, todo mundo de máscara, com proteção de acrílico, deixa o espaço ventilado. Então com isso tivemos um bom êxito nas lives de música. Mas o teatro é muito mais complicado. Em relação às exposições, o que nós tivemos que fazer foi suspender a programação que aconteceria em 2020 e que retornamos agora. As exposições que estrearam, a do João Carlos Martins, a do Darwin, elas aconteceriam em 2020 e tivemos que suspender, parar os contratos e retornar esse ano. A exposição fotográfica da Elza Lima, que está em cartaz agora, era pra ser ano passado.
Os shows, especificamente, têm uma ligação forte com o Paulista Aberta. Há previsão de retomá-los?
Eu participei de uma reunião recentemente com a Secretaria Municipal de Cultura e eles disseram que estão estudando as possibilidades. E com a rua aberta, as pessoas vêm pra cá. Não é o fluxo que era antes, isso é fato, mas as pessoas vêm. Para você ter ideia, aos domingos nós recebíamos cerca de três mil pessoas no Centro Cultural. Era uma loucura, a gente não parava um minuto. Agora, estamos trabalhando com 280 pessoas por dia. Então, vamos controlando nesse sentido.
O que vocês têm de programação para 2022?
A única certeza é a exposição "Era uma Vez o Moderno" em parceria com a USP, com o Instituto de Estudos Brasileiros, aproveitando a comemoração do centenário da Semana de 1922. É uma coisa que já vínhamos discutindo desde 2019, e estava prevista realmente para abrir este ano. É uma exposição grande, com previsão de abrir no final de novembro, talvez no início de dezembro, e ir com ela até maio do ano que vem. Para teatro, para música, a minha intenção é abrir editais para captação de projetos agora em agosto, avaliar e deixar meio que previsto uma programação para o ano que vem. Mas a certeza mesmo, ainda não temos.
A grande perspectiva para 2022 é voltar a funcionar normalmente. Esse é o meu grande desejo: ver essa parte da cultura viva novamente aqui na Avenida Paulista em todos os espaços culturais. Receber o nosso público como sempre recebemos, com as portas abertas, com as pessoas circulando sem medo, os artistas se apresentando sem receio. Ter de novo a segurança para fazer show aberto aqui na frente, trazer o público para dentro com uma atividade voltada para crianças, como contação de histórias, atividades onde as crianças podem sentar, deitar nos pufes, interagir com o espaço. Eu sou uma pessoa otimista. Às vezes sempre penso que a gente pode melhorar, se desanimar a gente não consegue. Os problemas existem, as dificuldades nós temos, não é um mar de rosas, mas a gente tem que tentar fazer do limão uma limonada. Então vamos em frente.
Realmente, esse momento é de reinventar nossa força e ter vontade de continuar com a área de cultura, fortalecer e mostrar para as pessoas o quanto a cultura é importante. Assim como a educação, a cultura é importante e necessária para todos.
Você sente que o público acatou com facilidade essa mudança pro online?
Sim, percebi isso porque ficamos preocupados que as pessoas não iam acompanhar. E elas acompanharam, entraram nas lives. Quando reabriu os espaços culturais, de uma forma muito lenta, com as pessoas tendo que agendar, foi uma surpresa. Na primeira semana 30 pessoas vinham visitar, na outra semana, já eram 60 e 80. Fomos percebendo que as pessoas queriam vir, elas não esqueceram os espaços culturais. Pelo contrário, sentem falta. A gente ouviu muito isso: "que bom poder voltar".
Querendo ou não, não dá pra gente viver sem cultura. Não dá pra viver em um mundo sem contato com uma obra de arte, uma exposição, com música, espetáculo teatral, espetáculo de dança, circense, seja lá o que for. Não dá para pensar a vida sem a cultura.
Agora, ainda falta atingirmos um grande público. A gente tinha um trabalho muito forte, do qual eu gosto muito, com as escolas, de trazer os alunos de escolas públicas para cá. O que estamos tentando é fazer que os alunos consigam acesso online, mas sabemos que essa realidade não é fácil. Quando pudermos voltar o presencial, aí sim, vai ser grande, trazer de volta aqueles grupos que sempre vieram e que agora não estão conseguindo. Esse é o grande desafio.
Na edição de quarta-feira: o Paulista Cultural e a união dos sete museus da avenida fez a vocação cultural sobreviver à pandemia, e o que virá depois.
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Legal falar de um prédio que, infelizmente, está associado a posições políticas de líderes transitórios.
No começo do texto tem uma parte que fala "O prédio preto e triangular, criado por (quem, quando)" - deve ter faltado completar o que está entre parênteses na revisão final. O prédio tem projeto do escritório Rino Levi Associados, feito em 1970, e a galeria do Sesi tem projeto do Paulo Mendes da Rocha, posterior, dos anos 1990. O prédio tem também um mosaico feito pelo Burle Marx. Ou seja, vários grandes da arquitetura em um único lugar, é bem legal isso.
Assisti muitas sessões do AnimaMundi lá e sempre teve muita exposição boa, mas desde 2014 não passo mais nem perto, infelizmente. Bad Vibe total.