[Paulicéia 015] João Perassolo: "muita coisa da cultura só se realiza no presencial"
Repórter da Ilustrada conta como tem sido a cobertura cultural da da Folha de São Paulo durante a pandemia
TL;DR 👉 João Perassolo, repórter do caderno Ilustrada da Folha de São Paulo, conta como é fazer cobertura cultural durante a pandemia – e o que acha que virá depois.
Você precisou adaptar seus assuntos na Ilustrada? O quanto as pautas que você escreveu no período de pandemia são diferentes do que era feito antes?
Sim. A gente perdeu o presencial. Antes eu visitava três, quatro exposições por semana, ia em shows. O presencial é muito forte, é sempre melhor. A gente é jornalista, quer ver o que está acontecendo, porque é assim que você descreve o lugar. Jornalismo presencial não é relatório. Tem o inesperado da situação, tem isso de passar o clima para o leitor. É para isso que você vai, e essa possibilidade se perdeu durante a pandemia. A gente intensificou as pautas de tendência. Por exemplo, teve reportagens sobre baladas, festas de música eletrônica, festas com sexo virtual1. Você reunia três ou quatro eventos e os repórteres se conectavam para acompanhar e escrever sobre isso.
Teve a reportagem sobre as festas clandestinas também2. Você chegou a ir?
Não. Eu até considerei, mas não tive coragem. Se quisesse ir e correr o risco, poderia ter ido. Mas achei muito perigoso, ainda não tinha vacina, não tinha nada, era me arriscar 100%. Então a gente fez tudo por telefone. As pessoas postam mesmo, tinha vídeo e tal. Repercutiu muito. Não sei como está hoje, faz quase um ano, mas na época você tinha que entrar no grupo de WhatsApp e eles passavam o endereço duas horas antes da festa.
Do que você sente mais falta da sua vida de repórter pré-pandemia?
De ir em evento, de aglomeração, de pauta de noite. Sinto muita falta. Tô ansioso para que seja possível voltar à balada, vou na primeira que tiver, vou fazer uma matéria disso. Eu sinto muita falta dos eventos presenciais.
Acho que a gente se dá conta que tem muita coisa da cultura que só se realiza no presencial, como ir a um museu. Não tem tela de computador que substitua ver uma pintura ao vivo, não existe isso. Uma pintura é uma pintura. Uma foto ampliada gigantesca é uma foto ampliada gigantesca.
Acho deprê festa no Zoom. Entendo que é importante, é o que dá para fazer, o negócio evoluiu, mudou, criou-se um universo ali. Mas é muito chato, pra mim não dá. Festa é troca de energia ao vivo. Acompanhei algumas, mas nunca inteiras, porque acho muito chato. Mas se é sua única opção profissional, se você é DJ, você não pode ir em nenhuma festa, é claro que você vai fazer no Zoom, é o que tem.
Você tem ido a restaurantes?
Só quando é aberto ou tem um ar correndo. Há uns dias fui ao Spot, onde tem uma área ao ar livre. A gente sentou do lado de fora e foi tão mágico. Pensei "as pessoas se vestiram e saíram de cara para tomar um drink, é maravilhoso!" O amigo que estava comigo comentou como é bom não ver gente de pijama no Zoom. Que saudade que eu tava disso, fazia tempo que eu não saía. Sim, é ótimo se montar para tomar um drink. É um dos grandes prazeres da vida. Eu não sou a pessoa que fica em casa vendo Netflix, a vida inteira fui a pessoa de sair, ir pra balada, ir pra show. E quando veio a pandemia eu falei, bom, vou ser obrigado a fazer isso, e mesmo assim, no auge da pandemia, como sabia que era seguro caminhar na rua, eu caminhava. Porque é seguro, você não encontra ninguém, você está ali de máscara, o vírus não é um drone que fica esperando para te atacar.
Em relação à cultura em São Paulo, você já enxerga uma reabertura?
Totalmente! Os museus 3. Há alguns dias fui ao IMS e tinha uma pequena fila para entrar, mesmo com agendamento. Dentro da sala havia várias pessoas. Ano passado era eu e mais uma ou duas e ontem era eu e mais umas dez. Não estava cheio, mas tinha um movimento maior. As coisas estão voltando sim, com certeza.
O que você vê acontecendo em São Paulo em 2022, quando tivermos maioria da população completamente vacinada?
Tudo vai voltar. O Paulo Tessuto e o coletivo BLUM, já falaram nas redes que acham que devem retornar em dezembro desse ano, se tudo der certo.
Agora você está fazendo que tipo de reportagem?
Nesse momento estou cobrindo uma mostra, do John Graz4 na Estação Pinacoteca. Presencial, porque essas reportagens sobre exposições são bem tranquilas, é só eu, o curador e uma pessoa montando. Eu sempre fui a museus, porque em galeria é fácil controlar o distanciamento. No ano passado, assim que liberou e reabriu, eu já fui. Pensei "ah, eu preciso disso, a arte vai me salvar aqui". E tem uma reportagem sobre a proposta de reforma do imposto de renda. Se andar do jeito que está vai tirar muita verba de lei de incentivo. Não só da cultura, mas do esporte.
Você lembra o momento que caiu a ficha de que a pandemia realmente estava acontecendo, que ia mudar tudo?
Sim, foi na semana anterior a fechar tudo, lá pelo dia 10 de março. Lembro que tinha ido jantar com uma amiga e já estava um clima estranho. A gente terminou de jantar e eu recebi um alerta no celular contando que os EUA estavam barrando os voos vindos da Europa. Ali que eu pensei que era muito sério, eu nunca vi isso acontecer.
E na Folha, como foi?
Fecharam o prédio em março de 2020, logo que começou. Lembro que o último dia que fui presencialmente ao jornal, em 17 de março do ano passado. O jornal sempre seguiu o que o governo do estado decretava. A maioria das pessoas continua trabalhando de casa ainda hoje mas redação esta aberta para alguém que precise ou queira trabalhar de lá, porque tem estrutura. Mas só com máscara, com todos os vidros abertos, essas coisas,
As comemorações do centenário da Semana de 22 estão no seu radar?
Tá no radar porque todos os espaços estão mobilizados para isso. Então sim. Mas eu acompanhei por cima, ainda não saberia te dizer o que me chamou a atenção. Mas também as coisas começaram agora. Como a mostra do John Graz na Estação Pinacoteca, e a mostra de mobiliário modernista que está no MAM, também da família Graz, ambas conversam com a Semana de 225.
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Na edição de quarta-feira:
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