TL,DR 👉 Essa é a última semana do Paulicéia. Alguns destaques desse ano. Como cancelar ou migrar sua assinatura.
Há um ano, a primeira edição do Paulicéia chegava aos emails de pouco mais de duzentas pessoas inscritas. Era uma entrevista com a dupla Oz Guarani, jovens rappers indígenas da Tekoa Itakupe, uma das seis terras indígenas urbanas de São Paulo, na Zona Oeste. A conversa tinha acontecido duas semanas antes, em um domingo muito gelado de maio de 2021. Bem CDF que sou, passei o fim de semana todo preparando pauta, ouvindo rap indígena e pinçando trechos de letras, lendo e vendo as reportagens já publicadas sobre os MCs Xondaro e Mirindju, buscando aprender algumas palavras de guarani e me informar sobre algumas das questões mais urgentes da Terra Guarani do Jaraguá — por exemplo, a invasão das terras pela construtora Tenda, motivo de uma ocupação interrompida pela pandemia.
Meu preparo não foi todo em vão, claro. Nunca é. Mas se mostrou inútil perante a postura dos dois jovens indígenas, que não queriam ficar no papel de responder às minhas perguntas. A gentileza não significava pegar a repórter pela mão e suprir sua curiosidade branca. Xondaro, em especial, deixou claro de início que quem falaria ali seria ele. Nos sentamos dentro de um espaço onde são realizados ritos espirituais, os dois rapazes de frente pra mim e para a Luisa Oguime, amiga e fotógrafa que carreguei na empreitada, enquanto Renato Crestincov, o guia, esperava lá fora. Luisa não podia fotografar, eu não podia interromper. Estávamos ali só para ouvir. E eu ouvi. E trouxe de volta aquilo que me foi dito, da forma mais fiel possível.
Essa experiência da primeira entrevista do Paulicéia foi bem diferente das minhas experiências anteriores como repórter de cultura para jornal ou TV. Seja falando com a curadora da exposição do David Bowie no Victoria & Albert Museum de Londres (fui a única repórter brasileira com acesso à mostra, que depois rodou o mundo, antes da abertura), com o Guilherme Arantes (a última entrevista que gravei para a MTV Brasil, e a minha preferida) ou com uma obituarista do NYT em visita a São Paulo, eu sempre entendi que meu papel era estudar os temas, buscar dados, conseguir as respostas que imaginava que a audiência queria.
Mas de saída entendi que não era isso que faria no Paulicéia. Ao final do domingo gelado, já em casa, ouvindo a gravação, entendi que as entrevistas não seriam sobre o que eu achava que a audiência, que ainda nem existia, queria saber, mas sobre o que essas pessoas tinham a dizer. Eu precisaria encontrar uma forma de levantar assuntos e deixar a conversa fluir, interrompendo o mínimo possível e publicando, depois, o essencial sobre a experiência desses entrevistados com São Paulo. Nem sempre deu certo. Foram mais de 70 entrevistas, algumas longuíssimas e outras curtas, com algumas figuras centrais para o desdobramento da cultura paulistana e com os anônimos interessantes que fazem dessa uma das mais incríveis cidades do mundo.
Faltou muita coisa, é claro. A lista de possíveis entrevistas nunca parou de crescer, e, enquanto escrevo essa despedida, ela tem mais de 150 nomes mapeados em setores diversos. Faltou teatro, faltou a Zona Norte, faltou moda. E ainda que o Paulicéia durasse vinte temporadas, ainda assim faltaria, porque uma vida inteira não é suficiente para tudo que São Paulo, com suas vinte milhões de almas na zona metropolitana, pode oferecer.
Chegando nesse final, eu considero o Paulicéia um tremendo sucesso pessoal. Após dois anos trabalhando em uma startup de enorme alcance, vivendo intensamente tudo de bom e de ruim que a posição oferecia, pude me voltar para meus interesses e buscar aquilo que na literatura chamamos de voz — uma voz que eu tinha perdido e que esse 2021-22 me permitiu ter de volta. Falei com artistas, empresários, líderes comunitários, escritoras, gestores públicos, diretores de museus e músicos. Mas, principalmente, nesse período aprendi a ouvir.
A todo mundo que falou comigo, e a todo mundo que leu, meu mais sincero agradecimento. Foi legal demais.
Pandemia
A pandemia foi o mote do projeto, que criei para participar da premiação Substack Local, um programa de apoio a projetos de jornalismo local criado pela plataforma norte-americana, do qual fui uma das doze contempladas, ao lado de colegas da Austrália, Taiwan, Nigéria e Romênia. Minha ideia para o Paulicéia era tratar "da cultura em São Paulo durante a pandemia, e o que será depois", missão que se tornou bem menos clara do que essa frase curta indica, já que a pandemia não só não acabou como teve diferentes fases de maior ou menor gravidade, mudando a forma como as pessoas se relacionam com o espaço urbano.
Por isso tive, por exemplo, momentos de não querer sugerir eventos presenciais no Guia Paulicéia (as edições de sexta-feira criadas para atender a carência de um guia cultural diverso e bacana, que vou continuar escrevendo na minha outra newsletter). E tive que mudar meus próprios interesses sobre a cidade, descobrindo nas salas de museus meus novos espaços preferidos.
E tive que manter o assunto. Da primeira à última entrevista, com o escritor Marçal Aquino, publicada na quarta-feira passada, uma pergunta esteve presente todas as semanas: onde você estava quando soube da pandemia?
Cada pessoa, claro, respondeu de um jeito. Mas, de fato, da chef de cozinha de restaurante bacana em Pinheiros à jornalista que inventou o maior evento de cultura plus-size do mundo, passando pelo criador do Museu Afro Brasil e pela professora de Educação Física que joga basquete na Santa Cecília nas noites de segunda-feira, cada pessoa com quem conversei tinha muito clara a lembrança da chegada da Covid-19 e o impacto que isso teve em suas vidas.
Afinal, a pandemia atingiu a todos. Ninguém ficou imune. De maneiras diferentes, cada pessoa tem uma história para contar. Espero, ao longo desse ano, ter dado espaço para algumas dessas histórias passadas em São Paulo.
O que será depois
Meu foco, além dos trabalhos como freelancer, passa a ser a Tá Todo Mundo Tentando, minha outra newsletter, um projeto pessoal que já existia antes do Paulicéia. A TTMT é um envio semanal, sempre com uma crônica (em áudio e em texto) e dicas culturais, que a partir de 01/07 ganham o complemento do Guia Paulicéia — essa parte, só para apoiadores.
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O Paulicéia terá sua última edição enviada em 24/06.
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Mais uma vez, muito obrigada,
Gaía Passarelli
Obrigado pelo Paulicéia nesse formato, Gaía. Me fez enxergar a cidade de várias outras maneiras e a descobrir histórias muito boas. Me fez me sentir mais tranquilo em tá nesse organismo complexo que é a cidade onde nasci, cresci e moro. Valeu!